quinta-feira, 14 de janeiro de 2016






                                               LEPTOSPIROSE



                    Estamos no meio de uma fazenda. Num prédio mais afastado funciona um hotel, para ecoturistas. No centro, fica o grande prédio da escola e mais  perto da praia fica o "diving center". Podemos dizer que é um "resort", ao mesmo tempo rural e praiano.

                    Pois bem. Tudo isso custa manter. É preciso cuidar da horta, dos cavalos, das galinhas, dos porcos, do material de mergulho.  E preciso cortar a grama e cuidar da cozinha e da limpeza. Para o hotel e o "diving center", existem funcionários contratados que cuidam da limpeza e manutenção, mas o prédio das escolas é inteiramente limpo e mantido pelos alunos. Logo que chegamos, recebemos uma área de limpeza e as instruções de como limpar. E todos os dias das sete e meia às oito da manhã, trabalhamos em nossas áreas de limpeza.
                   Não é suficiente. Teias de aranha crescem num piscar de olhos. Privadas entopem, Muitos alunos levam comida para os terraços e deixam pratos sujos de restos. Temos diariamente sapos baratas e morcegos. Todos tem trabalhos no campo, no jardim, ou vão à praia, e não há meios de limpar os pés sujos de barro. E sempre tem os preguiçosos, que não limpam suas áreas todos os dias, ou limpam mal.
                     Eu acho que, para manter tudo limpo, seria preciso contratar mais pessoas, ou usar produtos mais eficientes. Mas o máximo que podemos usar é vinagre. Pra tudo. Tudo se limpa com vinagre. Inseticida é proibido, raticida, nem pensar. Então, temos que conviver com uma infinidade de insetos, baratas, aranhas, sapos, lagartixas e...ratos.

                      Uma das colombianas começou a sentir formigamento nas mãos. Dirigiu-se ao encarregado dos primeiros socorros. Deram-lhe um anti histamínico. Não melhorou. O formigamento cresceu e ela passou a não sentir mais as mãos. E logo em seguida começou a ter movimentos involuntários com as mãos e os braços. Era preciso um atendimento de urgência, pois estava piorando rapidamente. O professor, "team leader" como chamam, quis chamar um taxi para levá-la ao pronto socorro de Chateaubelair. Não havia, na escola, verba pra isso! Enfim, um  engenheiro, que também é colombiano, e que é apenas um hóspede do hotel,  levou-a no carro da empresa, para a qual trabalha.
                    No pronto socorro de Chateaubelair, o professor mostrou o remédio que ela tinha tomado, e imediatamente, ouviu  uma bronca!
                    - Como! Quem receitou esse remédio pra ela? O remédio está vencido! - em seguida, deu-lhe calmantes e mandou-a de volta.

                    Ela passou o dia dormindo, sob o efeito dos calmantes. Na manha seguinte, estava pior. As mãos e os braços retorcidos e as pernas também apresentaram movimentos involuntários.         Novamente precisava de condução, novamente a escola não tinha dinheiro. Teve de pagar o taxi, com seu próprio dinheiro. O professor levou-a ao hospital em Kingston. onde permaneceu por tres dias, tomando injeções de calmante, soro e anti térmico, porque tinha muita febre. Enquanto isso, fez vários exames para investigar o que tinha. As despesas do hospital correram por conta da paciente. A escola não dispõe de nenhuma verba pra isso.

                   Enquanto isso, na escola, nada acontecia. Nenhuma informação, nenhuma notícia, nada! Não tivemos aulas, porque nosso professor estava com ela no hospital Queríamos saber como ela estava! Um dia, eu entrei na sala de uma das diretoras e pedi notícias.
                    - Why are you asking me? She is part of your team, must be in the class with the other students!
                    - Because she is in the hospital! - falei indignada.
                    - Oh, I don't know, ask someone else - e continuou a escrever no computador, como se nada estivesse acontecendo!
                     Eu saí de lá indignada! A menina está há dois dias no hospital, e ela não sabe de nada, nem se interessa em saber, continua no computador, impassível!
                     Esse sentimento de indignação foi crescendo, não só em mim, como em todos os outros colegas e só agravava com a falta de notícias.

                     As colombianas estão aqui para desenvolver um projeto de filtragem de água servida, que vale pontos para a sua graduação  no curso de Engenharia Ambiental. Foi feito um convênio entre a RVA e a universidade da Colombia.
                    Logo que chegaram, quando souberam que iam ter que fazer limpeza, que o quarto tinha goteiras e que o colchão tinha ninho de baratas, escreveram uma carta para os professores da Colombia relatando a situação e mostrando fotos das goteiras, dos banheiros com paredes descascadas, do colchão...  Uma delas, justamente a que ficou doente, trocou de quarto e ganhou um colchão novo. E todos os outros alunos tiveram uma sessão extra de "democracia", onde fizemos todas as queixas sobre as acomodações e ouvimos da diretora quais providências seriam tomadas. Estamos aguardando as providências até hoje.

                     Pois bem. As outras colombianas escreveram novamente para a universidade relatando o acontecido com a aluna.  A Universidade mandou uma carta oficial para a diretora, pedindo explicações. Até esse momento, não sabíamos o que ela tinha, nem se estava sendo bem tratada, não sabíamos nada. Ao receber a carta, a diretora, colocou-a em discussão durante um "common meeting" (uma assembléia geral) que ocorre todas as quintas feiras à noite. A carta foi o último assunto do dia. Antes, foram abordados assuntos  como a lavagem dos pratos, horário de funcionamento da lavanderia, atividades culturais para o sábado à noite, e um assunto que demorou uma meia hora foi a morte das galinhas. A essa altura, estávamos todos revoltados! A menina no hospital, gravemente doente, e a gente falando sobre a doença das galinhas!

                      Enfim, o último assunto. Era a carta que ela disse que deveríamos responder em conjunto, porque somos uma equipe! Que absurdo! Muito espertamente, usando palavras muito bem escolhidas, pensou que pudesse nos enrolar, dizendo que a responsabilidade era de todos, porque trabalhamos juntos,  somos  um time, devemos fazer tudo juntos, inclusive  responder a carta. Num primeiro momento, ninguém disse nada, tal foi o espanto, diante dessa afirmação! Mas aos poucos aconteceu uma fala e outra e outra, até que a italiana disse tudo, bem claramente:
                      - Estamos todos indignados com o desamparo que essa menina sofreu! Não teve ajuda de ninguém, precisou o hóspede do hotel levá-la ao médico, e não houve nenhuma informação oficial, sobre a doença dela! Ficamos sabendo de notícias por meio de telefonemas das colegas para a Colômbia, ou para o professor, diretoria não nos explica nada, e agora voce quer nos transferir a responsabilidade pela segurança de sua aluna? Estamos todos inseguros aqui. Se alguém quebra a perna, a escola não tem dinheiro para o taxi? E remédios vencidos, na caixa de primeiros socorros?
                       A diretora ficou muda e então foi uma avalanche de falas. Falavam mais aqueles que dominam  bem o inglês, eu não sou capaz de reproduzir as palavras, mas o sentido era esse: todos nós ficamos indignados com o comportamento da escola, amedrontados com a falta de segurança, e principalmente revoltados com o fato de a diretora não ter  manifestado nenhuma preocupação com a saúde da aluna, mas estava preocupadíssima com a resposta à carta que deveria resgatar o bom nome da escola. Achamos que se não fosse a carta, o fato não seria nem mencionado!
                      Nessa hora, manifestou-se o aluno indiano, que mora em Los Angeles e fala inglês perfeito, fez um discurso dizendo que se ela não sabia responder a carta, nós até poderíamos ajudá-la
(ajuda dos universitários, rs rs rs), mas a responsabilidade era dela, nós não nos sentíamos responsáveis de maneira nenhuma. O fato de sermos uma equipe, não significa que, temos que responder pela segurança ou pela saúde dos alunos. Essa é uma tarefa da diretoria.
                     Ela teve que engolir tudo quietinha. Eu estava sentada perto dela. Ela estava lívida, suas mãos tremiam. Mas não perdeu a capacidade de falar bonito. Disse que as coisas acontecem e servem pra gente aprender com os erros... Depois pediu para o indiano e para mim que ajudássemos na resposta. Sentamos em uma mesa, todos os professores, o indiano e eu e ajudamos na resposta da carta. Ela respondeu a todas as peguntas feitas, honestamente.
                     Porém, o estrago foi feito. Acho que a Universidade da Colômbia nunca mais vai mandar alunos pra cá. E a perda da confiança e de prestígio e a decepção entre os alunos, foi enorme.
                     Como ela quer nos ensinar a mudar o mundo, se não se importa com uma aluna doente?
                     No dia seguinte, a diretora foi ao hospital, visitar sua aluna doente. E soubemos pelo engenheiro  que a colombiana estava com leptospirose.
                     Dias depois, ela melhorou, teve alta e voltou. Não houve nenhum gesto da diretora no sentido de preparar o local para receber uma convalescente da forma mais grave de leptospirose. Nós limpamos o seu quarto, a outra colombiana ficou cuidando dela, como se fosse enfermeira. E graças a Deus, ela é jovem e forte, está se recuperando bem, já voltou às atividades e está tomando os remédios direitinho. Devo mencionar que o nosso professor venezuelano foi o único a se preocupar com ela, acompanhou-a nos quatro dias de hospital, esteve presente em todas as consultas médicas, tomou todas as providências, ao seu alcance, inclusive dando notícias a família e fazendo as negociações com a seguradora da aluna.

                      O laudo médico, para alegria da diretora, não menciona leptospirose, mas sim virose. E  uma das professoras me disse que estão tranquilos porque não foi o remédio vencido que causou a doença...
                      Então me lembrei que quando perguntei o que fazer em caso de furacão, ela resondeu:
                     - Don't worry! The building has insurance against hurricanes!

                                                                                ***

                     Na nossa primeira aula, depois que ela voltou, o professor teve a tarefa de pedir a todos que mencionassem quais são as providencias que a escola deve  tomar em relação à segurança dos alunos.
                     Falamos um monte. Mas depois, em outra reunião, recebemos instruções de como limpar melhor as coisas. Nada sobre os primeiros socorros, nem sobre a verba de emergência, nem sobre instruções sobre furacões nem terremotos, ou erupções do vulcão. Ou seja, "Tudo como dantes, no quartel de Abrantes".
                                                                                ***

                      Só para prestar um tributo à criatividade dos encarregados da cozinha: hoje teve suco de limão... com pimenta!
                     
                      Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                 Eulina
                                     

                     








                                                            RETORNO



                   Já estou em casa, há duas semanas. Difícil. muito difícil.
                   Sempre que volto de viagem, quando desarrumo as malas, já vou guardando tudo nos lugares. Desta vez... esqueci os lugares. Onde guardo isso? Onde coloco aquilo? Meu Deus, o que eu faço com isto?  Demorou pra lembrar!
                   Esqueci que dia passa o caminhão do lixo, esqueci onde é o esconderijo da chave da cozinha, esqueci a minha senha bancária, esqueci o número da placa do meu carro... e assim por diante. Passei uns dez dias dormindo muito, quando acordava, arrumava as coisas e relembrava como era o meu dia a dia. Agora, duas semanas depois, acho que já recuperei a maior parte da memória e não tenho mais tanto sono. Mas estou achando a vida urbana muito complicada.
                   Ainda me lembro de algumas coisas de lá., vou escrevê-as, antes que me esqueça.

                                                                     ***

                   Natal. Neste conjunto de prédios enormes, só nove pessoas. Todos os alunos e alguns professores, foram para as ilhas Grenadinas. Na RVA,  só ficaram Stina e Jesper,  diretores, Else Marie,  encarregada da promoção, David,  encarregado do hotel, quatro hóspedes e eu.
                   Se fizesse sol, eu teria passado os dias na praia. Mas choveu e ventou muito. Não deu pra ir à praia, nem pra ver a lua cheia e as estrelas. Silêncio!
                    A. noite de Natal foi chuvosa. Else Marie e eu arrumamos a mesa, com toalha, guardanapos, pratos todos iguais, garfos e facas, pelo menos parecidos, copos de vidro e flores! Ficou bonito.  Henning, um hóspede, fez a comida: carneiro e frango assados, com batatas e salada. De sobremesa, uma espécie de canjica, com uma calda de maracujá. Not so bad.
                   A mesa era assim: Henning, Stina, Else Marie, David inglês, uma hóspede vincentiana cujo marido estava viajando, um casal de hóspedes alemãs lésbicas, Jesper e eu. A "ceia" de Natal foi servida às sete e meia da noite...
                   Stina disse que passar o Natal com gente desconhecida era muito interessante... eu fiquei só olhando. Depois, ela sugeriu que nós nos apresentássemos e fizemos isso. Igualzinho nos "meetings":      
                   - Eu sou Lina, do Brasil, sou advogada aposentada, estou aqui, porque queria trabalhar com população, fiz o curso sobre o aquecimento global e recebi meu certificado hoje. - perdi a conta de quantas vezes fiz esse discurso, com a diferença de que antes, não havia recebido o certificado.
                  E todos fizeram o mesmo. Eu só olhando. Difícil achar um assunto pra iniciar a conversa. Aí se lembraram de falar sobre a comida. Depois dos bem educados elogios, as alemãs perguntaram se a salada era da horta. Então, Stina sorriu feliz! Sim, todas as verduras eram da horta e a horta era toda cultivada sem pesticidas, de acordo com os preceitos da permacultura... pronto. Estava definido o assunto. Falaram de permacultura o resto da noite.
                   Ai meu saco! Não aguento mais esse papo! Aproveitei para comer bastante. Carne sem pimenta! Maravilha! Mas o carneiro estava muito duro, quase não dava pra cortar. E o frango sem sal. Eu odeio canjica, mas comi a sobremesa, afinal a calda de maracujá disfarçava o gosto.
                   Comi quieta e depois fui lavar os pratos. Natal interessante.
                   Ainda bem que fui cantar para os velhinhos no asilo e para as mulheres, na prisão! Foi esse o meu espírito natalino.

                                                                    ***

                   Contagens. Tudo é racionado, contado literalmente.
                   Os encarregados da limpeza, contam quantos rolos de papel higiênico são usados, por dia.
                   A luz dos banheiros dura cinco minutos. Depois a gente tem que fazer ginástica na frente do sensor . Se estamos no meio do número dois, temos que acabar no escuro, se estamos ensaboados, temos que sair do chuveiro e molhar todo o chão, para acender a luz.
                    Num "common meeting", sugeriram 45 segundos de água para molhar, pausa para ensaboar e outros 45 segundos para enxaguar. Nos dias em que falta água, sugeriram banho de canecas, mas faltou dizer quantas canecas...
                    Laurita era encarregada de contar as galinhas no galinheiro! Tinha que ter quarenta e quatro. Um dia, ela não conseguiu contar, disse que tinha quarenta e quatro e no dia seguinte acharam duas galinhas mortas. O cachorro do vizinho fez a festa. Laurita ficou se sentindo culpada.
                    Então, deram a ela outra função: a de colher verduras para a salada. Como o espinafre estava acabando, ela tinha que contar quantas folhas colhia!
                    Durante as refeições, ovo, bolinhos, pedaços de carne ou de alguma torta era sempre um por pessoa. Só podíamos repetir, depois que todos comessem. Aí, tinha gente que comia correndo, para poder repetir, antes que a comida acabasse. Depois, tinham dor de estômago.
                    Mas era assim! Felizmente, com exceção dos rolos de papel higiênico, todos perdiam as contas. E o espinafre quase acabou. Restaram apenas folhinhas bem novinhas que não dava pra comer.
                                                                    ***

                     Love.  Stina e Yesper tem um cachorro. Pastor alemão. Muito simpático, chamado Milo. E cuidam muito bem dele. Mas tratam mal todos os outros cachorros que aparecem por lá.
                     Um dia, apareceu um vira lata bem magro, e bem brincalhão, desses tipo "cão sem dono" que abana o rabo pra todo mundo, na esperança de achar um dono. E achou vários, todos os alunos gostaram dele. Mas os diretores não. Alimentamos o cachorro durante uns dias, na esperança de que autorizassem a ficar com ele, mas o máximo que conseguimos, foi que a adoção do cão fosse assunto de um "common meeting".
                      A discussão demorou mais de duas horas. Walid, o jordaniano disse que assumia a responsabilidade de educar o cachorro.   Disse também que se o dono aparecesse, nós entregaríamos o cão, mas que nós cuidaríamos dele enquanto ele estivesse aqui. Quando Stina percebia que se o assunto fosse colocado em votação, ela ia perder, dizia que tinha mais uma dúvida, e a discussão se arrastava por mais tempo, com muitos argumentos de ambas as partes. O principal argumento da Stina era que os atuais alunos vão embora depois de seis meses e não sabíamos se os próximos assumiriam essa responsabilidade.
                       Eu estava quieta, quase dormindo, para disfarçar minha indignação, diante de tanta mesquinharia. Afinal o que custaria manter mais um cão? Até que não aguentei.
                       - May I say something? - depois do silêncio, eu disse: I have a proposal. We all take care of the dog while we are here. When Walid leaves, he promises to find an owner for it.
                       Walid concordou e a proposta foi votada e aceita pela maioria.  Ufa! Já eram quase onze horas, Pra quem acorda às seis e trabalha pesado durante todo o dia, era muito tarde.
                        Foi uma vitória! Ficamos todos felizes.
                        Depois de muitas consultas a todos os colegas, Walid batizou o cão de Love!

                                                                    ***
                   
                      Ontem fui ao médico. Todos os índices de glicemia, colesterol, vitamina D, triglicérides perfeitos. E eu já ganhei dois quilos. Daqui dois dias, vou ao ortopedista. quero saber exatamente o que aconteceu com minha perna.

                                                                   ***

                        Pouco a pouco, estou recomeçando minha vida de aposentada. E já estou pensando em ir a um outro programa de trabalho voluntário. Desta vez, no Brasil. Mas antes, vou sossegar o facho aqui em são Paulo, por um tempo, enquanto junto dinheiro para a próxima aventura.
                        Agradeço a todos que leram minhas histórias e especialmente àqueles que comentaram.
                        Prometo voltar a escrever toda vez que tiver alguma coisa interessante pra contar!


                        Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                    Eulina

                                                      











     







sexta-feira, 8 de janeiro de 2016






                                                                 A VOLTA


                      Estou no avião. Depois de dois dias chovendo e ventando muito, hoje está lindo!
                      Vejo o céu bem azul e filas e filas de nuvens de carneirinhos que fazem sombra no mar. Parecem listras. Céu listrado de nuvens e mar listrado de sombras. Meu sobrinho piloto já deve ter visto isso.
                      Enquanto estou voando, fico me lembrando de momentos vividos intensamente.

                                                                      ***
                     Os diretores vieram se despedir de mim. Abraço em todos. Afinal, depois de tantas aventuras, desventuras e peripécias,
                     - I had a great time!

                                                                      ***

                      Olho bem a estrada. Já me acostumei com a mão do lado esquerdo. Não assusto mais. Quero levar impressa na minha retina cada praia, cada montanha, cada vilarejo, cada varanda cheia de galos de gesso na mureta. Quero guardar no melhor "chip" da minha memória, todas as crianças limpinhas e cheias de trancinhas, com a cara bem preta e o sorriso bem branco.
                      Da "soca music", quero guardar só o rebolado... o som, acho que vou esquecer rápido. Ah!... e o cheiro de marijuana! A comida quero esquecer o quanto antes. Afinal, são oito quilos a menos de motivos para não lembrar da comida.
                      Acho que muita gente já tentou descrever a cor do mar do Caribe... e não conseguiu. Não sou eu quem vai conseguir! Na verdade, o mar do Caribe é indescritível.
                           
                                                                   ***

                      Selly, Francisco e Maira estão me levando para o aeroporto. Me perguntam:
                      - Are you happy to go home, or sad for leaving St. Vincent?
                      - Today I am only sad.

                                                                     ***
                      Comento com Selly:
                      - I think I am a privileged person to have lived all these experiences at age of 72. It was magic!
                      -  No! It was not magic! You was blessed! A blessing is a  God's gift!
                      Nó na garganta.

                                                                    ***

                       Francisco não vai até o aeroporto. Fica no caminho, na casa de um amigo. Último abraço. Céu estrelado de Bequia.  Silêncio compartilhado. Luzes e cores inesquecíveis.
                       - See you someday, somehow, somewehre!
                       Outro nó na garganta.

                                                                   ***

                       No aeroporto, o ultimo abraço em Selly e Maira.
                       - I'll  wait for you in Brazil!
                       Mais nó na garganta.

                                                                 ***
                      "Pena, que pena que coisa bonita, diga
                        qual a palavra que nunca foi dita, diga
                        qualquer maneira de amor vale a pena,
                        qualquer maneira de amor vale aquela
                        qualquer maneira de amor valerá!"
                                                                          Milton Nascimento

                                                                 ***
                       Engraçado... do avião, não vemos o horizonte...  o mar se mistura com o céu. Será que é sempre assim, ou só hoje?  Meu sobrinho piloto deve saber.
                      A comida da Gol veio. Decepção. Gosto caribenho. Frango com arroz, curry e pimenta. Arg! O consolo é que é a última vez. De sobremesa, um tijolinho de um creme branco de gosto indecifrável coberto com uma calda com um leve resquício de gosto de caramelo. Comi tudinho. Estava com fome. Depois da RVA, sou capaz de comer qualquer coisa.

                                                                   ***
                     
                        Sampa, finalmente! Passaportes com chip, passam pela imigração eletronicamente.
                        - O meu passaporte tem chip? - pergunto pra moça. Que maravilha poder perguntar coisas em português!
                        - Tem. Coloca ali no leitor e depois põe os pés na marca do chão.
                        Meu Deus! Que coisa, estou no primeiro mundo! Ou pelo menos, nesta parte do país, é primeiro mundo! Não há filas para brasileiros com  chip no passaporte
                        Mas para estrangeiros e pessoas com passaporte antigo, há longas filas.

                                                                   ***    
                                                             
                         Choveu, alagou tudo, minha filha não foi até Guarulhos. Foi me pegar em Congonhas. Eu me maravilho com o ônibus para congonhas. Ar refrigerado, poltronas reclináveis, mesinhas,        " wi-fi free", música suave, tomadas para recarregar o celular... mais primeiro mundo!

                                                                  ***

                         Abraço na Susi! Ai, como eu sonhei com esse abraço! Gostoso, apertado, para matar a saudade!
                         Olho a cidade. Já é noite. Carros, luzes, gente branca, trânsito... pareço caipira!
                         Susi encheu minha geladeira e o armário da cozinha com comidas que eu gosto, encheu as fruteiras com frutas que não são goiaba e carambola!
                         " Home sweet home" que delícia! Agora estou feliz.


                      Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                              Eulina















                                                                 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016





                                                 

                                                          AINDA A DESPEDIDA



                          Todos os professores da RVA são jovens  (a diretora tem 48 anos), e dão aulas sobre tudo. As aulas técnicas  são documentários sobre os problemas climáticos e aquecimento global e fim do mundo, Os professores colocam um filme no telão, os alunos assistem, depois debatem o tema.                                Então os professores não são propriamente mestres no sentido acadêmico da palavra. São mais âncoras do debate e promotores de ações referentes ao assunto. Por exemplo, quando se trata de plantar mudas de árvores, eles coordenam as propostas de planejamento, tipo que dia, que horas, quem faz o quê, etc.
                          E existem ainda outras aulas, sobre "maneiras de viver', como práticas de yoga, minimalismo, como se reconciliar com as lembranças do passado, como agradecer... e coisas assim.  
                          O meu professor, "team leader", como eles chamam é jovem (28 anos), venezuelano, e fez o curso preparatório para ser líder, na RVA, não faz muito  tempo. Acho que a minha turma foi a primeira que ele liderou. E deu muito trabalho!
                         Ele me disse que o seu maior objetivo na vida é o crescimento pessoal, em todos os níveis: intelectual, emocional e espiritual e qualquer outro tipo que pintar... Vou postar agora o discurso que o ele fez e leu durante a minha festa de despedida:

                          "Lina, what an honour to meet such an amazing human being.
                          This  has been one of the largest learning moments I've had in my life and you have been definelely a good contributer to the process.
                           As I've told you before, I admire you very much. I think that to be faithful to your beliefs is one of the most beautiful qualities that anyone can have. You certainly have that.
                           It's always noteworthy for me, to see you speaking up and fighting for yours rights,
                           Another thing I admire you for, it's the dedication to work towards the ones who need it most, the poor. Thanks!
                           Example in arts, your drawings and way of dancing are always pleasant to see.                                      Your kindness and how much you care about people are unmeasurable.
                           Your responsability, team work and organization skills are impressive.
                           There is a side of you that I am so glad to have met which is your spitituality, (at least a little bit). Thanks for all the stories and knoledge you brought to me.
                     
                            You were supposed to be my student, but you end up being my teacher.

                            I will always appeciate all the knoledge, and specially the love you gave to me.
                                         For this, and much more...
                                                                    Thank you
                                                                          It's been a real pleasure
                                                                                            With lots of love
                                                                                                                       Francisco"

                           Quando ouvi tudo isso, fiquei até assustada! Será que tudo isso é pra mim mesmo? Será que eu sou assim tão... sei lá...   Será que eu mereço tanto?
                           Depois eu pedi e ele passou a limpo o discurso e eu transcrevi igualzinho, com os espaços e linhas, do mesmo jeitinho que ele escreveu. Vou me lembrar pra sempre dele e do céu estrelado na ilha de Bequia.

                   
                             Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                       Eulina