quinta-feira, 24 de dezembro de 2015







                                                             ROLLING STONE


                    Não tenho mais tarefa nenhuma, nem aulas, nem "schedules", nem "meetings", nem DMM, nem "kitchen day", nem área de limpeza, nada, nada! Totally free! Maravilha! Fico na rede...
                    Os grupos tem atividades natalinas. Eu participo.

                    Rose Hall. Pela manhã, fomos limpar e enfeitar o salão do centro comunitário. Repetiu-se a cena do dia da limpeza das praias. Nós trabalhando e os marmanjos locais, sentados nas cadeiras olhando.  À tarde ficamos ensaiando uma apresentação natalina para a comunidade. Vamos contar a história do nascimento de Cristo, entremeada de canções de Natal, cantadas em inglês, espanhol, alemão e português.
                    À noite, fomos à festa.  Salão arrumado, cheio de luzes. Chegam DJs que colocam "soca music" no volume mais alto. Nós estamos prontos, mas as cadeiras não estão arrumadas. Estão todas encostadas nas paredes laterais e no fundo do salão. E ocupadas por crianças. Chamamos as crianças, mas elas não vieram.  Chamamos outra vez e nada. Os DJs desligam o som, mas as crianças continuam falando alto. Pedimos silêncio, em vão. então resolvemos começar assim mesmo. Contamos a história, cantamos, fizemos tudo o que ensaiamos, debaixo da maior algazarra, com o salão vazio, as cadeiras com as crianças encostadas na parede e os adultos na varanda,do lado de fora, olhando pela porta. Foi triste. Muito triste.
                     Jamal.  Mas teve uma coisa boa. Todas as vezes que fui a Rose Hall, encontrei um rapaz, com algum grau de deficiência mental, que sempre ficou cuidando de mim. Quando fomos limpar o rio, caminhando no meio do mato, ele ficava perto de mim e me ajudava nos trechos mais difíceis. Nas subidas e descidas, ele me dava a mão, me oferecia água, perguntava se eu estava bem... eu gosto dele. Então fiz pra ele um marcador de livros, igual ao que fiz pra todos, com o desenho de um barquinho.
                      Logo que cheguei, ele veio me cumprimentar, e eu dei o presentinho. Ele olhou com o rabo dos olhos e saiu correndo. Algum tempo depois, ele veio até a cadeira em que eu estava sentada, colocou um pacotinho de biscoito no meu colo e saiu correndo de novo. Eu queria muito poder abraçá-lo e agradecer, mas ele fugia sempre que  encontrava comigo. Aproveito agora, para mandar um abraço e um beijo telepático pra ele.
                    Foi a única coisa boa que aconteceu na festa.

                                                                 ***
                    Garden of Eden.  Dia seguinte eu fui, com um dos grupos, cantar num asilo. Lugar lindo, um casarão azul, em cima de uma montanha. Chegamos e uma enfermeira simpática nos conduziu até a varanda onde estavam as velhinhas. Começamos a cumprimentar uma por uma e nos emocionamos de ver seus rostos tortos, enrugados, com olhos vazios, se iluminarem em sorrisos toscos e desdentados... mas lindos! Após as apresentações, começamos a contar a história e a cantar, olhando para suas caras animadas, e suas mãos batendo palmas. Uma delas, parecia a mais jovem (noventa e um anos!) levantou-se e começou a dançar ao som do Jingle Bells. Nó na garganta! vontade de abraçar todas!
                      Quando fui cumprimentar uma delas, ela me disse:
                       - You are an ancient too! I can see that you are ancient!
                       - Yes, I am! - Respondi rindo.
                       Acabamos de cantar para as velhinhas e duas estudantes ficaram com elas jogando bingo enquanto nós nos dirigimos ao salão onde estavam os velhinhos.
                       Outro nó na garganta. Rostos desfigurados pelo tempo, quase imóveis, se iluminavam. Os que conseguiam, sorriam com a boca também. Mas todos os olhos estavam sorrindo. Exceto um senhor cego, que pegava em nossas mãos. Eu pus a mão dele em cima do meu coração e ele sorriu.
                        Quando um dos velhinhos,(o que parecia mais velhinho), ouviu uma estudante tocar Silent Night, na flauta, ele começou a cantar. Com sua voz tremula, mas afinada, cantou tudinho, até o fim. Enquanto isso as lágrimas rolavam dos meus olhos. E até agora, enquanto escrevo meus olhos fabricam lágrimas. Eu olhava pela janela, via a montanha verde e o mar do Caribe..., tinha que espantar o nó da garganta, pra poder cantar quando chegasse a hora.
                         Enfim, cantamos tudo. Um dos velhinhos que não podia sair da cama, falava Aleluia, Aleluia! e eu concordei Aleluia, Aleluia! Ficamos todos tão felizes!

                                                                      ***

                           Prisão. Dia seguinte, escolho ficar com o grupo que vai à prisão feminina. Seguimos instruções: calças compridas, sapatos fechados, ombros cobertos. Bolsas e pacotes na portaria. Os presentes que levamos, tiveram que ser entregues para a policial.
                          Subimos uma escada e chegamos a uma salinha, com algumas cadeiras e dois bancos. Só existem seis presas. Nós nos sentamos nas cadeiras e elas nos bancos. Elas são jovens e sorridentes, bem simpáticas, estão todas com um gorro de Papai Noel.  Vieram vestidas para a ocasião! Tem só uma que é mais velha. Ela se senta num canto e fica olhando pra parede o tempo todo. Que crime será que cometeram?
                           Cantamos tudo, elas bateram palmas e acompanharam a música o tempo todo.  A certa altura, uma delas se levantou e voltou com um caderno. Abriram o caderno e começaram a cantar. Negras tem belas e fortes vozes. Então cantaram Adeste Fidelis, no dialeto vincentiano. Lindo! Quando acabaram eu criei coragem lembrei dos meus tempos de coral e fiz o coro em latim, sozinha. A mexicana não se conteve, foi sentar no banco e cantar junto com elas.
                           Eu me senti em estado de graça. E todos se sentiam assim.
                           Ficamos sabendo que todas as jovens se envolveram com tráfico de drogas e a mais velha que olhava pra parede, matou a própria filha!  Que coisa! Por que será que ela fez isso? Quanto sofrimento!
                           - Pelo menos, hoje ela cantou um pouco! - eu pensei.

                                                                   ***

                           Esses últimos dias, fora os melhores aqui. Eu estive sempre rodeada de amigos. Muito presentinhos, muitos abraços, manifestações de carinho. Faz tão bem pra minha alma solitária... E o fato de não ter nada definido, de poder escolher o que fazer a cada minuto, me faz sentir "like a rolling stone". Eu vou na onda, vou onde a onda me levar. Vou sem medo. E eu confio nas pessoas em volta.
                           Como é bom poder confiar!  Eles me aceitam, mesmo sabendo que eu nunca sei nada direito, mesmo sabendo que eu não consigo trabalhar com computadores, ou ficar acordada durante um documentário ou uma aula chata, mesmo sabendo que eu vou esquecer metade das coisas que me dizem... eles me  respeitam, aceitam e acolhem... É muito bom.
                             Embora eu saiba que provavelmente não verei novamente nenhum deles, apesar das promessas de encontros futuros, o  profundo sentimento de amizade que tive  aqui, vai me acompanhar pra sempre.
                            Pra sempre, eu vou saber que por um tempo, eu fui amada em St. Vincent and Grenadines.

                             Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                      Eulina












Um comentário:

  1. Aqui com os olhos cheio de lágrimas das suas palavras e experiências eu penso como Deus é bom comigo ao colocar pessoas como você em minha vida!! Estou tõ feliz por ter você em minha vida e tão triste por não te ter aí quando eu voltar!! Mas ei que não serão só palavras e que nossa amizade não vai acabar! Nossos corações estarão juntos e sim< vamos nos encontrar no Brasil!! Amo você minha velinha assanhada, de alma jovem e linda!!! Você é uma inspiração de vida!!

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