domingo, 27 de setembro de 2015





                                                             VAIDADE  OU  ?????


                   

                        Agora, vamos participar da Treelimpics 2015.  É uma competição mundial, patrocinada pela ENO - Environment On Line, uma ong ambientalista. Temos reuniões diárias para planejar como plantar o maior número de árvores possível, envolvendo todas as escolas e grupos comunitários de St. Vincent. A competição foi criada por Mika Vanhanen, um finlandês preocupado com o desmatamento, e um dos critérios de premiação é o grau de envolvimento do país. No ano passado, St. Vincent ganhou a medalha de ouro. Foi o país com a maior porcentagem de envolvimento (noventa e nove por cento das escolas), mas não de plantio.
                        E só poderia ser assim, porque a ilha de St. Vincent já é uma grande floresta tropical, com algumas pequenas cidades perto das praias, nem tem lugar para plantar um grande número de árvores. Mas as escolas e grupos se registram para participar e depois fotografam o evento. O evento consiste em uma aula sobre a importância das árvores e depois o plantio de algumas. Tudo deve ser documentado e fotografado. Depois compara-se com a porcentagem de envolvimento de outros países. Ganha o que ficar mais próximo de cem por cento.
                        Numa das reuniões eu perguntei por que plantar mais árvores, num lugar já tão cheio de florestas, não seria melhor falar sobre preservação?  Depois de alguma enrolação, disseram que a participação é importante para elevar a auto estima do país, funcionando como uma forma de abordagem com a população. Eu ouvi e fiquei quieta. Mas fiquei pensando que existem outras formas de abordagem, talvez muito mais eficientes.
                        Além disso, o país só ganhou a medalha devido à participação da RVA. A ENO forneceu as árvores, o transporte e camisetas, e a RVA forneceu o trabalho voluntário dos estudantes, que deram a aula e depois fotografaram e registraram o plantio em todas as escolas do país.
                        Observo a maneira como tratam o assunto. Estão muito preocupados com a competição, e principalmente com a divulgação. Mas, não nos ensinaram a plantar as árvores! Quando eu perguntei pela primeira vez, disseram é só cavar um buraco e enterrar a raiz, como nós fizemos com as mudas de moringa, voce não se lembra? Como sempre devolveram a pergunta. E enquanto eu pensava na resposta em inglês, eles já tinham mudado de assunto.  Mas, eu não desisti. Na primeira oportunidade, perguntei:
                         - Quais árvores vamos plantar?
                         - Manga, mamão, abacate, maracujá... foi a resposta. Era o que eu precisava:
                         - As raizes e as copas dessas árvores são diferentes umas das outras. Todas vão ser plantadas  do mesmo jeito? E o maracujá que é trepadeira?  - eu disse isso tudo com mímica, porque muitas palavras eu não sei em inglês. A resposta veio um pouco embaraçada:
                         - Passion fruit (maracujá) must be planted near other tree.
                         - Which tree? Sometimes, one tree kills the other... - e finalmente, a resposta que eu queria:
                         - When we receive the trees, we are going to learn how to plant each one.
                         - OK! And when are we going to receive the trees?
                         -  I don't  know. We are calling the Minister of Agriculture every day to ask him when the trees will arrive here, but we didn't get the answer yet.
                          Esse papo já tem mais de uma semana. Até agora não sabemos onde estão essas árvores, nem quando elas chegarão aqui. E já estamos planejando ir às ilhas Grenadines para dar aulas e  plantar  árvores. Estamos fazendo orçamento de quanto fica o transporte, a estadia e a alimentação nas ilhas. Já preparamos as aulas. Só falta o mais importante: as árvores e saber como plantá-las.
                          Estou curiosa pra conhecer as outras ilhas. Principalmente, porque na menor delas, onde há só uma escola, vamos só eu e uma das colombianas, sem nenhum professor pra vigiar o que fazemos e como fazemos. Além de ser uma boa oportunidade pra quebrar regras impunemente, vai ser bom poder conhecer e trabalhar com a população, sem a presença da RVA.

                                                                        ***.
                 
                           Fizemos também outro trabalho com o povo. Fomos limpar as praias. Saímos todos no caminhãozinho, munidos de sacos de lixo. Fomos parando em cada praia onde desceram duplas de alunos voluntários, cada dupla acompanhada de um professor. Disseram que a população ia participar, porque eles tinham contatado os líderes comunitários.
                           Eu desci num vilarejo próximo à praia de Rosebank  A professora das "conversas", uma das colombianas e eu. O líder comunitário estava nos esperando. Fomos seguindo o líder, descendo por uma viela tortuosa, rodeada de casebres até a praia. Eu me lembrei das vielas das favelas do Brasil e das vielas das cidades da Palestina. Pobre. Muito Pobre.
                          Chegamos à praia. Linda! Paisagem deslumbrante, o mar azul do Caribe, os botes dos pescadores na areia, as árvores enormes, com suas grandes raízes rodeadas de pedras igualmente enormes... e lixo, muito lixo. Garrafas, plásticos, fraldas de bebê, sapatos velhos, embalagens, carcaça de TV, de fogão, de geladeira, restos de teclados de computadores, roupas velhas... que tristeza...Num dos cantos, o mais fedorento, uma casinha. Acho que é o banheiro coletivo. Um horror.
                           Esperamos ajuda do povo. O líder vai chamá-los. Começamos a limpar. Cada uma com seu saco de lixo, catamos as coisas do chão. Trabalho pesado. Pesado e sujo. O líder volta com um homem. Ele ajuda um pouco, até o primeiro saco se encher. Aí ele vai embora. O líder já tinha ido. Ficamos nós três catando coisas na praia, sob um sol de quarenta graus. Eu encho três sacos, suando por todos os poros. Vou bebendo água pra não desidratar. Achamos vários cascos de tartarugas gigantes. Acho que mataram para comer. No quarto saco de lixo, minha água acaba.
                           Ainda bem que eu vim com o biquini por baixo.  Tirei o short e a camisa da RVA e entrei no mar. Abençoado mar do Caribe! Estamos na lua crescente, o mar está bravo, ondas altas, bastante correnteza, eu fico no rasinho, me refrescando, mas mesmo assim, acho perigoso. Deve ser por isso que os botes estão todos na areia e a praia cheia de marmanjos deitados na sombra das árvores nos vendo trabalhar... que merda!
                           Saio da água com as energias refeitas e continuo catando o lixo. Já são quase onze horas, e o lixo acabou. Limpamos tudo sozinhas. Merda de povo preguiçoso!  Vamos embora. Chamamos o líder para ele levar os sacos lá pra cima, onde passa o caminhão de lixo, e vamos começar a subir a viela.                      
                          Eu estou toda molhada e cheia de areia. Olho em volta. Vejo uma mulher lavando roupa numa torneira, em baixo de uma árvore. Peço pra me lavar um pouco, ela me olha de um jeito divertido e abre a torneira pra mim. Eu lavo as mãos, os pés e a parte da frente do corpo, acho que estou pronta pra vestir a roupa, agradeço e vou indo embora. Aí, ela me olha mais divertida ainda e diz:
                          - Your back is full of sand, miss!
                          - Oh yes! Let me wash it - tentei abrir a torneira e não consegui. A água espirrava de todos os jeitos, fazia um arco, fazia uma bola, fazia um arco íris, tudo menos um esguicho na mesma direção. A essa altura, a moça já estava dando risada abertamente e eu olhei em volta,  e vi que em todas as casas havia gente nas varandas e nas janelas, todos rindo da minha incompetência para abrir a torneira... Eu ri também, até que veio uma outra senhora em meu socorro e num instante a torneira estava com um belo esguicho. Eu me lavei atrás e caprichei  um pouco mais na frente. Afinal não é sempre que a gente tem plateia na hora do banho... acabei, lavei as sandálias,  agradeci muito e me retirei, carregando desajeitadamente, a minha sacola, as roupas e as sandálias.
                         Quando cheguei nas pedras da subida para a viela, a professora perguntou se eu não ia vestir as roupas. Eu disse que sim, estava só esperando  secar um pouco... e assim que chegamos à   primeira sombra, vesti tudo, calcei as sandálias e acabamos de subir a viela, andando pela favela.
                         Os sacos pretos de lixo já estavam lá em cima. Não sei como foram parar lá, nem perguntei. Mas a professora queria fotos. Então fizemos pose em volta da pilha de sacos. Estava registrado o feito.
                         Logo passou o caminhãozinho e voltamos parando novamente nas  praias para recolher os alunos.  Nas outras praias, eles tiveram ajuda do povo.  Voltamos  todos exaustos e encalorados.
                         Assim foi o "cleaning the beaches".

                                                                           ***

                        Desses eventos, eu conclui que para a  RVA é importante registrar o feito. Fazer bem feito é secundário.
                         A medalha que o país ganhou no ano passado fica no salão, junto com um diploma concedido a St. Vincent and Grenadines. Mas quem foi até a Helzinki receber a medalha foi a diretora da RVA e o diploma está aqui, e não no Palácio do Governo.
                         Eu vejo como os diretores estufam o peito quando falam da escola ou quando a mostram para os hóspedes!
                         O serviço não é importante, o que importa é mostrar o serviço. Mesmo porque, o que eu vi até agora deixa claro que eles não sabem trabalhar com o povo. E considerando que já estão aqui há vários anos, seria burrice?
                        Ou será que não querem? Se adotamos a segunda hipótese, a pergunta é: Por que? Qual seria a intenção oculta? Só a vontade de aparecer bem na fita? Vaidade?
                         Por enquanto, duas opções:  burrice ou vaidade?
                         Vou continuar pesquisando, pra saber se há uma terceira hipótese.

                         Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                 Eulina


                         Amigos estão mandando emails para lilinacintra@hotmail.com, me aconselhando a voltar. Eu quero ainda conhecer outras ilhas e ver como vão  acontecer as aulas e o plantio das árvores. Preciso das opiniões de voces para fazer as coisas certas. Por favor, me ajudem.
























sábado, 26 de setembro de 2015

                  



                               BRINCADEIRAS COM CRIANÇAS

                           Segue o artigo que escrevi para o blog da RVA.
                           Foi o primeiro trabalho que fizemos com a população. Foi muito bom, mas seria melhor se fosse continuado, se, a partir daí, pudéssemos iniciar realmente um trabalho educacional com os professores, com os pais, envolvendo grande parte da população da cidade. Vou propor isso na primeira oportunidade que surgir. 
                           O problema é que não dá tempo, eles não tem o costume de fazer reuniões para avaliar o trabalho! Já estamos planejando limpar todas as praias e plantar cem milhões de árvores! Temos um monte de reuniões, decidimos uma porção de coisas, e  no dia seguinte, muda tudo, eles decidem tudo diferente, então fazemos novas reuniões para decidir tudo novamente. São muito confusos. 
                            Não sabem trabalhar com o povo. E quando conseguem um ótimo resultado como foi o dia das brincadeiras, não sabem dar continuidade. 
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                           DRAWING IN THE  KID’S DAY

       The day before was dedicated to the preparations.  Food for snaks, toys and balls for playing, material for handicrafts, paper and pencils for drawing, make up to paint faces and a lot of creativity.  Everything ready, all set in the packed things. There was an expectation in the air. Everybody likes kid’s day!
         Play with children is always back to our own childhood and bring good memories for all.
      The very sunny and hot Saturday finally arrived, and everything was ready.  We climbed the small truck and accommodate all packages.  After a short drive, we get the Traumaca School, and started to tidy up the place.  Soon the kids arrived.
        They came alone (here, the children can walk alone in small towns).  The older children take care of the smallest. Girls are vain, very well dressed and  combed, with many hair braiding  and boys wearing own clothes to play football.  Very pretty and nice children!
         I was in a charge of drawing with them and took some animal figures to serve as a model. I know that children love to draw, but I never expected such a success!
         A lot of little children came to my table, at first only the small girls, as I expected, but little by little, boys and  older children also came and made beautiful drawings. The table was a small one,  but they all shared the space, the pencils and the snaks when it arrived, cordially,  without any fight!
         The older brothers gave the food to the minor in a very endearing way. I admired very much their good behave! And after they finish the draw, I took some photos.
         I talked with Miss Joetta Cline who is psicologist and works in the school, and she promised to keep the pictures and hang them in the wall, so that all children can see and show their work.
          The face painting and the handicraft table was a big success too! And all the boys love to play football!
           This way, the afternoon passed by so quickly and so happily!
            It would be very nice if we have a kid’s day every week! It could be a good way to start a more complete educational work, at first whit the children, and then with their parents,  with the teachers, and step by step we could work with all the population of the town, and  talk about all the issues that we learn in RVA.
            
      


quinta-feira, 24 de setembro de 2015




                                                           
                                                               DEMOCRATURA



                    Antes de vir para cá, assinei um documento denominado "Now I Enroll Myself". O documento é curtinho, ocupa só uma página e é escrito com letras grandes. Eles chamam de contrato, mas o nome no cabeçalho é Agora Eu Me Matriculo. E antes da assinatura, em negrito vem as seguintes palavras: Eu fui informada sobre a política de não às drogas e não ao álcool.
                    Eu achei justo. Nenhuma escola  permite drogas e álcool. E eu tinha mesmo recebido por email uma montanha de informações sobre a escola, sobre o funcionamento, sobre os programas, sobre o trabalho, sobre as reuniões e tudo mais. Tudo em inglês. Li rapidamente.
                    Logo que cheguei, em março, no primeiro domingo que passei aqui, fomos à cachoeira e depois a um restaurante em Chateaubelair. Eu quis tomar uma cerveja e me disseram que era proibido!
                    - Mas hoje é domingo e não estamos na escola - eu argumentei.
                    - Não importa, é proibido assim mesmo.
                    Tomei Coca Cola, porque não conhecia ninguem, era minha primeira vez e eu não queria arranjar uma polêmica, logo de cara. Mas estranhei.
                    Depois, eu tive que voltar pra São Paulo, e recomeçar tudo em setembro. E novamente as pessoas me disseram que é proibido beber mesmo fora da escola. E eu continuei estranhando, não consigo acreditar em uma regra tão abusiva! Quebrei essa regra um par de vezes, sempre nos domingos e fora do perímetro da escola.
                 
                                                               ***

                     Em julho, quando as colombianas denunciaram para a universidade da Colombia, que a limpeza do prédio era feita pelos alunos, que havia goteiras nos quartos e que o colchão de duas delas tinha ninhos de baratas, nós tivemos uma reunião de mais de duas horas sobre todas as coisas que precisariam ser feitas. A unica promessa cumprida foi a de trocar os colchões. Quanto ao mau funcionamento dos banheiros,  à qualidade da comida, ao cheiro do cachorro, e várias outras coisas, das quais não me lembro agora, ficaram só no bla, bla bla.

                                                              ***
                       Semana passada, durante o "commom meeting", alguem sugeriu que após as refeições, cada um lavasse seu próprio prato. Após alguma discussão, foi aprovada uma semana de experiência. Depois da aprovação, a diretora disse que não tinha entendido direito e iniciou uma nova discussão, que durou um tempão e todos estavam quase dormindo, mas após nova votação, permaneceu a semana de experiência. Não deu certo a técnica de vencer pelo cansaço.
                        No dia seguinte, o diretor entrou na cozinha e viu que cada um estava lavando o seu prato, deu um piti, Disse que a cozinha estava atravancada, que ninguem estava lavando os pratos dos hóspedes, que isso não vai dar certo e começou a lavar tudo sozinho. Eu não vi. Mas foi o que me contaram. E disseram ainda que ele estava bravo! Ele que sempre está de bom humor, fechou a cara e falou allto!  , vamos ver qual vai ser a votação.Nos dias seguintes ele não estava e cada um lavou o seu prato, sem maiores problemas. Hoje completa a semana de experiência. Veremos.

                                                                   ***
                       São vegetarianos e veganos porque dizem ser contra a matança de animais.mas resolveram não alimentar mais a gatinha, porque disseram que gatos tem que caçar para comer, e mantem engradados cheios de frangos, no maior solão, cobertos com um plástico, no meio de uma plantação,  porque dizem que eles comem ae pragas, revolvem a terra e produzem adubo. Chicken tractor é o nome da técnica.  Eu acho cruel. Estão cozinhando os frangos vivos.
                                                                 
                                                                   ***

                        Pois bem. Contei tudo isso, como introdução pra contar o principal. No sábado passado, havia uma festa de rua  em Chateaubelair. Todos os alunos resolveram ir. Iam aproveitar pra comer uma comida melhor no restaurante e lógico, quebrar regras. Eu não tenho mais muita paciência para festa de rua. Já aproveitei bem o carnaval de Salvador e alguns outros. Fiquei. A festa foi um sucesso, todos dançaram, se divertiram muito... até que depois de rolar muita cerveja, saiu uma briga dessas generalizadas.  Disseram que garrafas voaram e houve uma troca de sopapos. As meninas da RVA ficaram encostadinhas num muro, vendo tudo. O domingo seguinte foi inteiramente dedicado aos comentários. Eu ouvi todas as histórias várias vezes, todas muito engraçadas.
                         Porém... tudo tem um porém, as regras foram quebradas e os diretores ficaram sabendo.
                         Que merda! No dia seguinte, uma reunião com a nossa turma. Primeiro  os professores vieram com uma fala mansa, querendo saber, o que aconteceu, onde foram, quem foi, o que fizeram e depois acusando de terem saído escondido, de não terem avisado ninguem, e isso era muito grave,  porque se acontecesse alguma coisa... E a conversa foi ficando feia, todos disseram que não sabiam que era preciso avisar, e eu disse que eu sabia onde eles estavam então me perguntaram por que eu não tinha avisado e todos nós dissemos que não sabíamos que era preciso avisar. Aí a coisa engrossou. Chamaram a diretora, Ela disse que estava no contrato, assinado e que deviamos ter lido tudo o que mandaram por email. Respondemos que não tinhamos entendido a proibição de sair num sábado à noite e eu tive que explicar que não avisei ninguem da diretoria, porque eram todos maiores de idade, capazes de tomar conta de si próprios.

                          Que merda! Que situação! Então a diretora foi até a sua sala, trouxe uma pilha de livros, contendo todas as informações sobre a escola, inclusive a que diz 24/7 que significa vinte e quatro horas por dia, sete dias na semana. Eu li o parágrafo umas dez vezes. Não fica claro que não podemos tomar alcool fora da escola, depende de interpretação. No Brasil, um contrato assim não seria aprovado pelo Procom. Ela disse que teríamos que ler muito bem o livro todo e pensar muito se gostamos ou não da RVA do fundo do coração, para resolver se queremos continuar aqui...

                           Que merda! Ela disse tudo isso e foi viajar. Lemos o livro e ficamos pensando. Um clima horroroso, E eu estava sendo penalizada por não ter contado pra ninguem que meus amigos saíram pra jantar fora e depois ficaram pra uma festa na rua! E isso tudo foi dito com palavras, muitas palavras bonitas e espertas de modo a enrolar todo mundo... Falam da paixão pelo trabalho com os pobres... enchem a boca pra falar dos pobres dos animais, do meio ambiente... mas tratam os alunos como se fossem todos estúpidos ocupando todos os minutos da nossa vida por meio de uma "schedule" e tentando dirigir nossos pensamentos por meio de tarefas chatíssimas que só podem ser feitas pelo computador, dentro do programa deles. É uma lavagem cerebral. É uma ditadura disfarçada de democracia. Democratura! 

                            E a merda continuou, porque no dia seguinte, depois do café da manhã, fui limpar meus banheiros, que é a minha tarefa diária, o professor veio me dizer que eu não podia fazer isso enquanto não respondesse à pergunta da diretora. Voce vai continuar ou vai desistir? Parece até programa do Silvio Santos. Então descobri que tudo parou na escola. a unica coisa que permaneceu funcionando foi a cozinha. Mas não tivemos aulas, nem reuniões nem documentários, nem fomos para a horta, nem colher frutas, nem alimentar galinhas, nada. Maior pressão. Clima de velório. Todos cochichando pelos cantos. Que merda!

                            À tarde, fomos tomando nossas decisões. Eles nos chamaram um por um, para uma "conversa". E eu comecei perguntando se eles me queriam aqui. Porque da maneira que me tratavam, eu estava achando que eles estavam me dispensando. Aí tive uns dez minutos de falatório sobre as minhas qualidades, meus talentos, sobre a importância do meu trabalho, sobre a experiência que eu tenho, bla bla bla e mais bla,bla,bla mas eu precisava decidir do fundo do meu coração se eu estava de acordo com todas as regras. Foi um belo discurso, cheio de olhares "sinceros", e palavras com "significado profundo"...

                            Eu respondi que estava aqui porque queria trabalhar com a população, já que trabalhei assim por mais de trinta anos, queria continuar. Além disso já paguei e não vou ter meu dinheiro de volta, e vou ter que mudar as datas das minhas passagens e pagar multa. Estou sendo pressionada a fazer coisas que não quero, mas vou continuar porque quero trabalhar com o povo. Mas quero deixar bem claro que não concordo, que acho ridícula essa regra de não poder tomar uma cerveja nem uma taça de vinho, acho ridículo ter que pedir autorização pra sair, principalmente porque sou uma pessoa livre e responsável pelos meus atos.  Vou obedecer porque é uma ordem, mas não concordo. No  Brasil, esse documento que voces chamam de contrato é ilegal porque não traz as cláusulas bem claras e bem redigidas. Além disso, voces me obrigam a  fazer um monte de tarefas no computador e eu sou incapaz de fazer isso. Simplesmente não consigo, por mais que eu tente. E muitas das tarefas eu já fiz, mas voces querem que eu faça no computador, dentro do programa de voces. Isso é terivel, é uma lavagem cerebral! Usei todas as palavras do meu "poor english".

                             E fiquei. Eles   disseram que estavam muito contentes com a minha decisão e me dispensaram do DMM ( programa de ensino computadorizado, adotado pela escola). A professora que "conversou" comigo, imediatamente se levantou e me deu um abraço, dizendo que eu era muito bem vinda à escola. Afe!
                            Mas no dia seguinte, recebi por email uma lista de  tarefas que deveriam ser feitas no  programa. Significa que eu devo fazer as tarefas por email. Que merda!

                             Decidi não fazer essas tarefas. Eles podem me dar zero. Não me dar certificado.  Eu não preciso de certificado. Mas vou enrolar. Dizer que estou fazendo, que demora muito porque é tudo em inglês, que a internet cai toda hora... isso tudo é verdade. Mas a maior verdade é que tudo isso é uma enorme perda de tempo. Eu não preciso e nem quero  saber todas as estatísticas que provam que o mundo está acabando, para fazer um trabalho com a população.

                                                                       ***

                               Não sei como foram as outras "conversas", mas o indiano não ficou. Foi embora hoje. Nossa turma, que no início era de nove alunos, ficou reduzida a tres colombianas e duas brasileiras. Antes já tinham ido o alemão, a vincentiana e a chinesa.

                                                                        ***
                               Hoje chegou mais uma professora. Veio de Chicago e é super simpática. Graças a Deus, come carne. Estão sendo esperados novos alunos. Tomara que cheguem logo.

                               Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                                       Eulina
                               Por favor, comentem! Preciso dos comentários para tomar decisões! lilinacintra@hotmail.com


                                                                 
                   



                         







                 
                 
           
             

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

 




                                       PROGRAMA/ AGENDA/HORÁRIO


                    A missão é salvar o mundo do capitalismo, da poluição, da globalização, do aquecimento global, da pobreza. Foi isso que aprendi nesse dois meses de curso. Aprendi? Sei lá, esse foi o assunto do curso.
                    As aulas de fim de mundo, as aulas com os cavalos, na horta, as atividades, as tarefas a serem executadas pelo computador, os horários, as agendas, tudo está contido no programa. E o programa foi planejado para fornecer todas as respostas. Todas as questões são exaustivamente discutidas em  assembléias nas quais somos "democraticamente" orientados pelos professores e cujas votações são sempre acatadas, mas nesse dois meses, não vi serem colocadas em prática.
                    Então é assim: o mundo está acabando e é preciso fazer alguma coisa. E parece que eles acham que a única coisa a fazer é  estudar as matérias do curso, planejar uma ação, colocar tudo isso numa  agenda (schedule), com metas datas e horários rígidos e definidos. Eles parecem acreditar  profundamente nisso!
                    Eu também acredito que o mundo está acabando e que é preciso impedir isso! Mas eu acho também que existem muitas coisas que podem ser feitas e existem muitas maneiras de fazê-las.
                    Além disso, eu preciso ser livre. A schedule, o programa, os documentários, tudo isso me faz sentir como se estivesse presa, me dá sono.  Dormi nas aulas muitas vezes. E não é só um problema meu, porque sou velhinha! Vejo muitos alunos, todos jovens, lutando contra o sono durante os documentários sobre o lixo, a matança de animais, a destruição das florestas, etc. Talvez seja porque na minha turma, a maioria seja de latino americanos. Os europeus e a chinesa não dormem. Prestam atenção o tempo todo. Incrível.
                    Toda segunda feira, temos um "meeting" para resolver "democraticamente" a schedule da semana seguinte. Então, projetam no telão, um grande quadro quadriculado, com horários pra tudo, e tarefas dentro dos horários. Me dá pânico!
                   Eu nunca entendo nada, estou sempre esperando alguem começar a fazer alguma coisa, pra eu saber o que vai acontecer em seguida. Sou a própria Maria vai com as outras... até agora, tem dado certo. É uma vida cheia de emoções, mas enche o saco! Se estou na horta plantando sementinhas e acabo, não posso voltar pro meu quarto enquanto não acaba o horário da horta. E se ainda tenho sementes pra plantar e o horário acabou, não posso ficar mais, senão vou me atrasar para a próxima atividade. E a próxima atividade não começa se todos não chegaram, Então se um atrasa, todos atrasam. É a maneira "democrática" de impor uma ditadura do tempo.
                    E assim segue o dia, com todos os minutos ocupados. Mas depois das quatro horas, tem a praia!
                    Eles, os diretores e os professores os alunos  europeus e os  asiáticos parecem acreditar que essa é a unica maneira de salvar o mundo. Eu tenho cá minhas dúvidas! Com tanto horário, eu não consigo nem salvar a minha pessoa. Estou sempre sem saber o que vai acontecer em seguida,..
                    Estou aguardando ansiosa o início dos trabalhos com a população pra testar a eficiência do curso.

                                                            A COISA CERTA

                    Numa coisa eu acho que eles acertam. Acertam muito. Não há nada melhor para o crescimento pessoal, do que conhecer e conviver com pessoas de diferentes países, idades,  línguas, culturas, todos fazendo a mesma coisa.
                   Estamos aqui confinados, longe de tudo, tendo que cuidar da horta, do jardim, do pomar, das galinhas dos cavalos, da limpeza, da manutenção do prédio... Fazemos tudo isso juntos. E ainda temos as aulas, os trabalhos escolares as tarefas no computador.,
                   É muito interessante ver como se comportam as pessoas, como são diferentes, as formas de agir e de resolver as questões... E mais interessante ainda é constatarmos que apesar das diferenças, somos todos iguais!
                   Por exemplo, depois de um dia de trabalho pesado na horta, todos se sentam no salão, exaustos e começam a rir e falar asneiras, da mesma forma que as recepcionistas do Salão do Automóvel faziam e (ainda devem fazer) depois de um dia inteiro fazendo pose na frente dos carros, ou os peregrinos do Caminho de Santiago, depois  de um dia caminhando, ou foliões depois de uma noite pulando no carnaval... Já passei por todas essas situações e sempre foi do mesmo jeito. Quando estão exaustas, as pessoas não fazem gênero. São o que são. E se o cansaço é resultado de uma boa jornada, as pessoas ficam bem humoradas e falando asneiras e dando risada.  Eu adoro essa hora!
                 E assim, vamos aprendendo a respeitar as diferenças, a ter paciência, com as dificuldades alheias,  a nos ajudar nos momentos mais difíceis, a rir nas horas engraçadas... ficamos todos amigos.
                 Cada um conta as coisas do seu país, com palavras de todas as línguas, fazendo mímica, usando o Google Translator, gesticulando... vale tudo. O importante é comunicar. E, na maioria das vezes, conseguimos!
                 É a melhor coisa que tem aqui!  Depois da praia, lógico.

                                                              O CAVALO

                 A diretora tem paixão por cavalos. São tres fêmeas e um macho, muito bem tratados, vivem soltos enfeitando os pastos. Ela diz que com os cavalos aprendemos a lidar com as pessoas. E por isso temos aulas com eles. Temos que superar o medo, exercitar a paciência, e exercer capacidade de liderança...  será?
                As aulas acontecem embaixo de uma grande árvore no jardim da frente, com uma vista magnífica para o mar do Caribe, com a ilha de Santa Lucia na linha do horizonte. Eu gosto das aulas. não tenho medo e parece que o macho gosta de mim. Ele faz direitinho tudo o que eu peço. atende aos meus comandos. Outro dia, eu estava no pasto e ele veio espontaneamente até mim e esfregou sua cabeça nas minhas pernas. Um dengo!
                     Pois bem. Há cerca de um mes, houve uma grande tempestade durante a noite, com muitos relâmpagos e trovoadas. No dia seguinte, uma das éguas estava com uma perna machucada. Provavelmente, assustou-se e se enroscou na cerca de arame farpado. Limparam o machucado e ela aparentou estar melhorando. Mas depois de umas duas semanas ainda não havia sarado e ela foi tendo outros sintomas, começou a tremer, seus olhos reviraram, então chamaram o veterinário e ele deu o diagnóstico: tétano. A diretora passou a viver em função da doença da égua. Isolou-a dos outros, e a cuidadora teve que dormir numa barraca, armada no canto do pasto, para que égua doente não ficasse sozinha. O veterinário disse que havia uma chance de trinta por cento, com um determinado remédio, que não havia em Kingstown.  Então, o marido da diretora foi até Barbados no vôo da manhã, comprou o remédio e voltou no vôo da tarde!
                   Para o cavalo havia dinheiro até para passagens de avião! E para a colombiana com leptopspirose não havia dinheiro para o taxi!  Indignação! Revolta!
                    De nada adiantou tanto esforço. Serviu apenas para prolongar o sofrimento da égua, que acabou morrendo na noite passada.
                    E querem nos ensinar a mudar o mundo!

                                                                        ***

                    Outro dia, eu estava na cozinha, após o jantar e entrou o professor vincentiano, pegou um chícara, foi até o bule de café e me pediu ... um dente de alho!  Meu Deus, eu achava que já se havia esgotado o repertório de esquisitices com a limonada apimentada, agora essa, café com alho!
                     Fui pegar. Trouxe o dente de alho e ele me pediu água fervendo. Ufa! Era pra fazer chá de alho! Uma esquisitice a menos.

                      Voce já pode dizer eu li na tela da
                                                                              Eulina