quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ainda Jericó - Mar Morto ~A cerveja

                                                              


                                                           JERICÓ - MAR MORTO


                                                                                                                                     29/12/12


     Vamos todos ao Mar Morto. Todos com seus trajes de banho por baixo.
     Saímos da cidade. O micro ônibus vai por uma bela estrada larga e asfaltada. Estamos em território israelense. Passamos por carros novos, avistamos terras férteis. Tudo muito diferente. Chegamos num balneário. Entrada por um jardim, caminhos floridos, passamos por lojinhas, restaurantes e depois de descer uma escada, vestiários. Os frequentadores são na maioria loiros, altos, creio que americanos, franceses e alemães.

    Descemos as escadas e chegamos em uma grande praia. Apesar de ser inverno, está calor. Estamos quatrocentos metros abaixo do nível do mar! Na areia da praia ficam cadeiras e guarda sóis. Olho em volta. Se me mostrassem uma fotografia deste local, eu iria achar que era alguma praia do nordeste brasileiro ou do Caribe. Não tão bonita, mas parecida.

     Os homens entram no mar. As italianas ficam nas cadeiras, com exceção de Antonia e Katia que entram também. Eu entro na água. Esperava que fosse mais gelada.  É  quase sem ondas e a água tem temperatura agradável. Mas o chão... ah, o chão é coberto por uma lama preta grudenta e movediça. Eu ando, ando e não saio do lugar, é difícil tirar o pé do chão. Os pés vão afundando na lama. Olho em volta, vejo uma porção de gente se lambuzando com a areia. Ficam todos negros.

      Eu não consigo andar direito, continuo engatinhando, até chegar numa altura em que a água fica acima de minha cintura. Então, eu boio. Dá pra ficar sentada  na superfície. É engraçado, dá pra curtir,  mas a lama preta é nojenta. Me fa squiffo, como dizem os italianos. Só agora percebo que as pessoas pretas que vi são  Giacomo e  Nidal que parecem se divertir muito, pois dão muitas risadas. Eu continuo sentada na água, olhando, sem achar nada de graça e me sentindo melada com toda aquela lama preta. Afe!

     Eu não aguento por muito tempo, me arrasto penosamente até a praia e depois de cambalear sobre a lama movediça chego à praia e me dirijo imediatamente a um dos chuveiros que ficam na areia. Fico um pouco com as italianas nas cadeiras e logo vou para o vestiário. Em seguida, saímos da praia,  passamos pelas lojinhas, onde se vendem, entre as onipresentes "lembrancinhas",  frascos de lama preta, que dizem fazer bem pra pele - argh!
 
     Eu resolvo dar uma volta pelos arredores, enquanto espero o resto do pessoal. Num carrinho, parecido  pipoqueiro, um rapaz vende tâmaras. Eu compro uma caixa. O rapaz vê a camisa amarela tipo seleção brasileira e, para meu espanto, começa a cantar:
      "Ai se eu te pego, delícia, delícia!"
       Ele capricha na coreografia! Meu Deus, que coisa! Até aqui! Tanta música brasileira boa e eu ouço logo essa!

      Antes de voltar ao hotel, o ônibus passa pelo centro de uma pequena vila, para que possamos dar uma volta a pé e conhecer o local. Parece uma típica cidadezinha de praia, dessas que existem em países ocidentais. A grande diferença, além da língua falada, são as letras nos cartazes das lojas. A maioria das pessoas se veste à maneira ocidental. Há uma pracinha, com um coreto no centro, e sinais de trânsito nas ruas em volta. As ruas  de comércio são muito parecidas com a Vinte e Cinco de Março ou a José Paulino, em Sampa. Lojas pequenas, apinhadas de gente, cheias de mercadorias dependuradas no teto. Numa delas, eu entro e compro um pano "Arafat".

     Pequenos restaurantes, cheirando a gordura, com o cardápio do dia escrito numa lousa, na entrada. Nós tomamos suco de romã, abundante e delicioso. Uma curiosidade: os restaurantes colocam mesinhas na calçada, e em cima delas, fica um narguilé. Vários velhinhos (só velhinhos) estão sentados em volta fumando e conversando. É uma espécie de happy hour. 
     Tudo tão diferente das paisagens bíblicas às quais estávamos acostumados!

                                                                        ***
     Voltamos para o hotel. Banho demorado, com shampuzinho, condicionador, potinho de creme, tudo o que tenho direito. Roupa limpa, me sinto revigorada, novinha em folha.
    O restaurante como tudo neste hotel é grande e bonito. Comidas caprichosamente decoradas, expostas numa mesa enorme. Nós nos servimos e nos sentamos a uma mesa. Nidal virá jantar conosco. Estamos todos alegres e pedimos cerveja. Nidal chega e conversamos um pouco. Nidal fala que somos um ótimo grupo e que ele se sente amigo de todos nós. Eu digo que nós pedimos cerveja e queremos brindar com ele. Estamos todos em clima de festa, nos preparando para um brinde, e levamos um susto quando Nidal disse:
     - Se voces forem tomar cerveja, eu mudo de mesa! 
     - Por que?  - eu não estou acreditando direito, acho que é um tipo de brincadeira, sei lá... 
     - Porque eu sou proibido de me sentar à mesa com alguem que toma bebida alcoólica - brilho de aço no olhar.  
     Eu acho absurdo, acho difícil de acreditar, não pode ser verdade... os italianos desandam a falar, falar, eu acho mesmo que é um tipo de brincadeira. O garçom fica parado esperando. Eu mantenho o meu pedido. O garçom vai embora e os italianos continuam falando. Nidal está em silêncio.
     O garçom volta com as bebidas. Eu gelei quando vi várias garrafas de refrigerante e só uma cerveja, a minha. Não era brincadeira! Os italianos cancelaram a cerveja. Obedeceram  Nidal, aos preceitos da religião de Nidal!  Afinal estamos na terra dele... disseram. E eu? Fiquei com cara de transgressora. Fiquei sem saber o que fazer. Se eu tivesse entendido a discussão dos italianos que resultou no  cancelamento do pedido, eu provavelmente também teria, muito a contragosto, cancelado a minha cerveja.
      Mas não foi o que aconteceu. Eu mantive o pedido, agora não sabia o que fazer! O constrangimento foi geral! Nidal fechou a cara e eu não tenho coragem de tomar a cerveja. Comemos todos em silêncio. Aquele que seria um jantar agradável, com um brinde às nossas aventuras, se transformou numa situação altamente desconfortável para todos e especialmente para mim, que não consegui tomar a cerveja, sentada ao lado de Nidal, de cara amarrada. Como em silêncio enquanto observo a cerveja degelar suando a garrafa, na minha frente. Até que uma das italianas, a Donata veio pegar a garrafa e a levou para a outra ponta da mesa, longe de Nidal.
     Quando acabei de comer, peguei a garrafa, e mudei de mesa para tomar sozinha a cerveja quente! Foi horrível!
     Depois que Nidal foi embora, os italianos todos começaram a falar ao mesmo tempo, discutindo e analisando a situação. Tentei participar, mas eles estavam exaltados e falavam muito depressa, eu não consegui acompanhar. Mas deu pra entender que eles também não aprovam a conduta de Nidal. Não sei o que pensaram de mim, mas não deve ter sido nada muito ruim, porque continuaram a me tratar da mesma maneira.
     Eu  fui dormir impressionada com o brilho gelado nos olhos de Nidal, com a intolerância de seus preceitos religiosos e com o absurdo da situação!
     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                               Eulina  
   
     
     
   

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Al Auja - Jericó

       



                                                                     AL  AUJA -  JERICÓ

                                                                                                                         29/12/12

     Al Auja é o nome do lugar onde fica a Tenda dos Beduinos.
     Ontem, depois do jantar, veio um taxi e levou Andrea ao aeroporto.  Ficamos à luz do luar, esperando o taxi com ela. Hoje ela vai voltar para a Alemanha. Sentimos sua falta. Agora somos dez.
     Hoje a caminhada é mais curta: dezesseis km. Vamos para Jericó.

     A paisagem é a mesma. Porém as terras são um pouco mais férteis. Há plantações de laranjas. Continuamos descendo. Agora, a descida é mais suave. Hoje há um novo check point. Visto a minha camisa tipo seleção brasileira. É o meu maior trunfo para enfrentar a guerra. Sigo a recomendação de um reporter que cobriu a guerra. Ele disse que vestindo a camisa da seleção brasileira, ele deixava bem claro que não tem nada a ver com essa guerra. Por isso, nunca teve problemas com autoridades de ambos os lados. Sem Andrea para conversar, fico mais tempo em silêncio. Os italianos continuam sua algazarra.

     Chegamos ao check point. Muitas recomendações. Stress. No photos, No jokes. Everybody quiet.  Passaporte na mão. Italianos em silêncio. É uma construção no meio do nada, quadrada, enorme, dois ou três andares, com poucas e minúsculas janelas. Passamos pelas catracas em fila indiana.Outra vez, não há ninguém. O que será que aconteceu com os check point?  Estão sempre vazios... Gianfranco, para desespero de Nidal, pergunta a cada cinco minutos:
    - May I take a photo now? 
    - Não! - responde Nidal - Eles devem estar escondidos em algum lugar, de onde nos observam. No photos, keep walking! 
    E nós caminhamos tranquilamente, sem incidentes, até a entrada de Jericó, onde havia um micro ônibus a nossa espera. Se os "israelis" nos observavam, perderam seu tempo, pois  viram apenas pessoas pacíficas.
    Andamos de ônibus por Jericó, até uma estação de teleférico. Local turístico, lojinhas com badulaques para vender. Depois de tanto tempo no meio do deserto e de pequenos povoados, estranhamos a cidade grande, o asfalto, os turistas... pelo menos, eu estranhei. Acho que os italianos também. Não houve oportunidade para perguntar e comentar, porque logo entramos na fila do teleférico e chega a nossa vez. Lotamos dois bondinhos. Eu fico admirando a cidade de Jericó, rodeada de montanhas. 

Mais uma vez, não sei aonde vou. Eu acho um barato! Adrenalina pura, estar a caminho de um lugar, que eu não conheço, para ver alguma coisa que eu não sei o que é! Curto cada instante da viagem de bondinho.

     Chegamos. Nidal explica que estamos no local, onde Cristo foi tentado por Lúcifer. Eu me lembro das  aulas de catecismo. Cristo ficou no deserto meditando por quarenta dias, se preparando para a vida de pregações que iria enfrentar. Ao final dos quarenta dias, Lúcifer o tentou, dizendo que olhasse e cobiçasse todas as riquezas  da cidade ao pé do morro. Cristo resistiu. Depois dessa breve explicação em inglês, traduzida para o italiano por Silverio, começamos a subir uma enorme escadaria. Na metade, estamos todos bufando. Nidal, com seu senso de humor muçulmano, diz:
   - Cristo subiu, e naquele tempo não tinha escada...
   - Mas Cristo era Deus e eu não sou, - respondo. Nidal fica em silêncio.
   - E, além disso, ele tinha 30 anos e eu tenho 69!
   - Ah, desta vez, voce tem razão...  Já estamos quase chegando.

     No alto, uma igreja cristã ortodoxa. Como em todos os lugares sagrados que vi, sempre há uma igreja em volta. E dentro da igreja mais escadas. Essa igreja fica encostada na pedreira e vai subindo, então a parede do fundo é sempre de pedra. Passamos por uma capela, com altar ao fundo, atravessamos, subimos mais escadas, passamos por outra capela, outro altar, mais escadas, uma sacada, uma salinha que parece um museu, cheia de imagens e fotos, com um padre barbudo e mal humorado vendendo velas e no fundo dessa salinha, uma escadinha. Vou direto para a escadinha subo e chego a uma salinha menor, sendo que do lado direito na parede de pedra, há um lugar especial que, segundo as explicações, foi onde Jesus estava quando foi tentado. Os visitantes, creio que quase todos cristãos, passam a mão na pedra. Eu, obviamente, passo a mão também, pensando que talvez eu estivesse colocando a mão no mesmo lugar que Cristo colocou...  Senhor, livrai-me das tentações.

      Desço a escadinha, acendo uma vela e me dirijo à capela maior, onde agora há um grupo de cristãos negros com longas vestes de um branco encardido, rezando, com um padre na frente do altar, celebrando uma cerimônia. Os negros cantam e alguém filma. Fico ali observando. Não sei que língua falam.
     De repente, o padre barbudo e mau humorado interrompe a cerimônia aos gritos, falando outra língua  difícil. Eu não entendo nada, quero ficar olhando para ver o que vai acontecer, mas Nidal me chama. Eu pergunto que esta acontecendo e ele diz que o padre não quer aquela cerimônia. Grande coisa, isso eu tinha visto, eu quero é saber o motivo. Nidal diz que também não sabe e que não devemos ficar ali, porque os outros estão nos esperando. Desço as escadas relutando... mais uma coisa que eu nunca vou saber.

     Em baixo de todas as escadas, fica um restaurante. Almoçamos numa mesa grande, de frente para um terraço com a vista da cidade. Além da comida árabe, sempre deliciosa, há pratos internacionais. É um grande ponto turístico.

     Descemos de  teleférico e depois tomamos o ônibus até o hotel.
     Oh! O hotel! Trata-se de um resort, com direito a piscinas, saunas, parques, jardins, entrada com escadaria e criados uniformizados que carregam a mala, andam quase marchando, peguntam se não queremos mais nada, e... acho que no nosso caso, desistem de pedir gorjeta, tendo em vista as nossas roupas empoeiradas, as botas imundas e os cabelos desgrenhados...

     Fico sozinha num grande quarto, com uma cama de casal, banheiro também grande e uma varanda com vista para os jardins e as piscinas, num primeiro plano e a cidade de Jericó mais ao longe. Toalhas e lençois alvíssimos, sabonetinho e shampuzinho e creminho. Realmente, este hotel deve ter muitas estrelas.

     Tomo banho, lavo minhas roupas, ponho tudo para secar nas cadeiras da varanda, visto o biquini  por baixo da roupa limpa e vou me encontrar com os italianos para irmos ao Mar Morto.

      Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                               Eulina

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Duma - Tenda de Beduinos

                               
                                                                         

                                                     DUMA - TENDA DE BEDUINOS



                                                                                                                                   28/12/2012

      Sabemos que o dia de hoje será difícil. Subidas e descidas íngremes, principalmente descidas. Vamos descer até abaixo do nível do mar. Poucos povoados. A região é a mais deserta de todas.

     Passamos por um empório, para comprar o lanche e eu novamente cheguei perto de uma mesquita pra ver como é por dentro. Vejo a cara preocupada do guia e de todos os homens que estão na rua. Eles todos suspiram aliviados quando eu saio de perto da porta.
     Por que mulheres não entram?  Onde as mulheres rezam?

     Lanche na mochila, partimos. Hoje temos dois guias. Nidal e um outro cujo nome não ouço direito e fico envergonhada de perguntar pela terceira vez. Mas ouvi contar que ele tem três mulheres e onze filhos! Uau! Como pode?

     Na subida eu vou bem. Bufo um pouco, como todos, mas não tenho maiores problemas. Mas na descida... eu cometi um erro enorme quando estava preparando minha bagagem de peregrina. Não olhei para a sola de minhas botas. Fiquei feliz de tê-las já há tempos e de serem tão confortáveis.  Mas não vi que as solas estão perigosamente carecas. Isso significa que para andar no plano e na subida, eu não tenho problemas. Mas na descida, quando todos os santos ajudam e o diabo empurra, as botas não me dão nenhuma segurança. Escorregam muito, principalmente se existem pedrinhas no chão. As pedrinhas são um perigo. E o que não falta são pedrinhas no chão das montanhas dos desertos da Palestina. Eu nem pude prestar muita atenção na paisagem, nem nas conversas. Fiquei concentrada no caminho. E a descida foi se tornando cada vez mais difícil. À certa altura, passamos a caminhar sobre o leito de um rio seco. Além das pedrinhas redondinhas no chão, há pedras enormes, em trechos que devem ser encachoeirados, quando há água. As pedras grandes requerem mais força, mais agilidade. Eu escorrego e caio três vezes e a cada vez, tenho que me levantar depressa e explicar a todos que eu estou bem, que não me machuquei, que estou em perfeitas condições de continuar, que não se preocupem. Mas eles se preocupam. Nidal passa a segurar as alças de minha mochila, o que me deixa ainda mais aflita. Ando um bom trecho com Nidal segurando as alças da mochila, como se fossem os arreios de um burrico. Fico pensando que agora, eu pareço o burrico que carregou Maria, sendo levado por José que segurava as rédeas. Não gostei. Pedi a Nidal que me desse a mão. Senti que para ele, pegar na mão de uma mulher, deve ser complicado. Mas eu estava realmente precisada de uma mão amiga. Sei lá o que ele deve ter pensado, mas pra mim foi tudo o que eu precisava para descer aquela montanha.

     Descemos, descemos, por entre pedras e pedregulhos, até que chegamos a uma planície. Soltei a mão de Nidal. Estamos quarenta metros abaixo do nível do mar! Depois de um tempo, chegamos a um acampamento de beduinos, povos nômades, que vivem nesta região da Palestina. Moram em tendas. São muito pobres. Os homens são pastores e as mulheres criam galinhas. Acho que eles vivem da renda proveniente dessas atividades. Como sempre há muitas crianças sorridentes, mas não há escolas. Para estudar, as crianças devem deixar o acampamento. Pela quantidade de crianças que vemos, acho que bem poucas vão à escola.

     Chegamos à tenda em que vamos dormir. É um barracão enorme, coberto de lona e plástico por fora, sendo que nas beiradas foram colocadas pedras para segurar o plástico, durante as ventanias. Por dentro, há cortinas e o chão é todo acarpetado. Tiramos as botas e andamos descalços dentro da tenda. Os beduinos fizeram uma grande roda ovalada no chão, com colchonetes. Cada colchonete tem um travesseiro. É onde vamos dormir. Muito mais confortável do que qualquer camping que eu conheço. Em um dos lados da tenda, há uma grande prateleira onde se encontram as famosas pilhas de cobertores. Eu escolho um lugar, coloco minha mochila do lado, estendo meu saco de dormir em cima do colchonete  e me sinto em casa!

     O banheiro merece um parágrafo especial. Fica longe, uns cem metros de distância. Consiste em uma parede de alvenaria, em forma de caracol, sem telhado. Inteiramente escondido, (para quem está do lado de fora), no centro do caracol,  fica um buraco com um vaso sanitário em cima, daqueles que a gente coloca os pés e fica agachada. Fedorento, porém limpinho.  Usei com gosto.

     Chegamos, arrumamos nossas coisas e saimos para conhecer o acampamento. As crianças vem atrás.
São várias tendas, que ficam em volta de um grande curral de ovelhas. Eu fico um tempão vendo os pastores e os cachorros recolherem as ovelhas no curral. As ovelhas bebês, não vão para as montanhas. Ficam o dia todo num pedaço cercado do curral.  Depois que as ovelhas adultas chegam, os pastores, especialmente as crianças, soltam as mães no curral dos filhotes. É um belíssimo espetáculo. Todos os filhotes berram muito e as mães ficam andando bem devagar, dando pequenos balidos e olhando para todos os lados, até que acham o seu filhote. Elas cheiram cheiram, dão uma lambidinha e os filhotes param de berrar e começam a mamar. Tudo isso dura uma meia hora, no máximo. É uma meia hora de puro encantamento.

     Estamos na hora do por do sol. É outro espetáculo glorioso. O céu da Palestina tem tons pastéis. Bem diferente das nossas berrantes cores tropicais. Lá ele vai se tingindo de rosa, laranja, vermelho escuro, roxo, mas sempre meio esfumaçado, não há contrastes, estamos olhando um tom de rosa, quando nos damos conta já é um vermelho, quase roxo e tudo isso se faz suavemente.
 Eu acho que essas ocasiões sempre merecem uma música. E a música aqui, seria a tão óbvia quanto suave Ave Maria de Gounod e não a bombástica Jesus é a Alegria dos Homens de Bach, mais apropriada para o por do sol no Pantanal de Mato Grosso do Sul... 

Pois bem, ficamos todos, alemã, italianos e eu, em um silêncio extasiado, admirando o sol se pôr atrás das montanhas desertas. E não acabou aí. O êxtase continuou, porque logo em seguida, o céu já quase escuro, passa a ficar avermelhado novamente e começa a aparecer a lua. A primeira beirada da lua é quase vermelha, depois ela vai crescendo, ficando alaranjada, e quando está quase inteira, fica amarela. Esse amarelo vai clareando, até que ela fica inteiramente prateada. É noite de lua cheia!
     Como diz o Gil: "...do luar...  não há nada mais a dizer... o luar... é preciso ver o luar".
     Que bom que eu vi o luar  no deserto!

     Hoje, não há banho. Ficamos todos na tenda. Algumas das italianas jogam cartas: Porca miseria! Mamma mia!   Caspita!   Aspecta un attimo!  São engraçadas as italianas.

     Andrea fica rodeada de crianças. Chego perto. As crianças não falam inglês e ela não fala árabe. Mas eles se entendem. Fazem gestos, emitem sons, fazem mímica e dão muita risada... Antonia e eu vamos dar uma volta à luz da lua. Chegamos numa tenda. Uma mulher com suas longas roupas e o véu negro, mexe numa panela sobre um braseiro, dentro de uma tenda. Reparamos que ela segura seu pulso e faz uma cara de dor. Falamos em todas as línguas que conseguimos e descobrimos que ela machucou o pulso. Eu tenho uma pomada espírita do Vovô Pedro e Atonia tem uma atadura. Vamos para a nossa tenda e voltamos com a pomada e a atadura. A mulher nos espera. Eu passo a pomada e fico massageando seu pulso, até ela sorrir e acenar com a cabeça. Então Antonia vai enrolando a atadura, suavemente, até ficar bem firme. Ela sorri bastante. Acho que está agradecendo.

       Estamos abaixo do nível do mar e está uma temperatura agradável, mas Nidal disse que de madrugada vai fazer frio.Voltamos para a nossa tenda. Temos que ficar esperando o jantar. Acendemos nossas lanternas. Imagino uma produção complicada, com panelas de comida, bebida, pratos e copos, e provavelmente uma mesa, para acomodar tudo... mas, pelo contrário, vieram duas travessas, redondas e enormes, cobertas por um pano, que parecia uma lona. Uma criança nos deu colheres, uma para cada um e uma latinha de refrigerante.

    Falaram que devíamos nos sentar nos colchonetes. Os colchonetes estão colocados de forma oval, então eles colocaram as travessas nas extremidades e para nosso espento, Nidal nos disse para  tirar, rasgar e comer o pano! Na verdade, o pano é um tipo de pão, do qual a gente rasga um pedaço e come. Em baixo do pão, está uma grande quantidade de arroz, com especiarias e vários pedaços de frango, que devemos comer com as mãos. O arroz se come com a colher. Que delicia de comida! E que delicia comer assim, partilhando o mesmo prato, no centro da tenda à luz das lanternas! Nidal explicou que as beduinas nunca sabem a que horas os pastores (seus maridos ou filhos) vão chegar, então preparam a comida, cobrem com o pão e deixam no braseiro. Assim, os homens sempre comem comida quentinha.

     Dormi feito um anjo. Levantei à noite para ir ao banheiro, nem precisei da lanterna. Fiz pipi à luz da lua.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                              Eulina

     

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Nablus - Duma

                                                                                                  



                                                            NABLUS - DUMA


                                                                                                                                          27/12/12

     Café da manhã no hotel. Farto, como todos.
     Malas no carro de apoio, saímos caminhando. Primeiro, andamos pela cidade. Nidal nos leva para ver o mercado, pela manhã. O mercado é enorme e já amanhece confuso. Vendem-se desde móveis, eletrodomésticos, roupas, brinquedos, aparelhos eletrônicos,  utilidades domésticas, até grãos, frutas verduras, ervas, etc. E todos gritam e berram anunciando suas mercadorias. Fica na cidade velha, dentro de muros e tem inúmeros becos, vielas, pracinhas, tudo coberto por toldos. Cheio de sons, cheiros, cores e  gentes... tinha até uma loja com a bandeira do Brasil!

     Se a intenção era nos fazer gastar dinheiro no mercado, foi frustrada. Nem a alemã, nem os italianos e muito menos eu, compramos coisas. Olhamos tudo, com o maior interesse, Comentamos muito, falamos nossas línguas misturadas... mas não compramos.

     Nidal compra as coisas para o lanche do caminho e vamos  novamente por o pé na estrada.
     Ah! Que delícia a estrada, que bom estar nas montanhas! Tanta paz, depois da balburdia do mercado...      Vou caminhando, feliz, me lembrando de todos os amigos. Acho que me lembrei de todos mesmo.

      É engraçado, uma lembrança puxa outra. Comecei por lembrar dos meus pais, do tempo em que morava no Rio, meus colegas de infância no Externato Coração Eucarístico de Jesus, depois do Sacré Coeur, em São Paulo, do Clube Pinheiros, do Clube Paulistano, do Ginásio N. S. do Brasil, do Mackenzie, primeiro Secretariado e depois a Faculdade de Direito, da União Cultural Brasil Estados Unidos. Tudo isso, sem falar da família do Rio, na de Sampa, na de Mato Grosso do Sul, na Fazenda Rancho Alegre, onde passava as férias, na família da Bahia, nas empregadas domésticas com as quais convivi em minha casa ou em casa de parentes, dos amigos que fiz em viagens, dos que fiz enquanto era casada, dos que fiz logo depois de me separar, do ex-marido, dos namorados, dos paqueras, dos "casos",  dos amigos peregrinos, dos que fazem terapia comigo, dos que fazem artesanato, dos escritores amigos do curso antroposófico de escrita criativa, dos que trabalharam comigo em escritórios de advocacia, na escola/agência Yufon, no Jornal do Brooklin,  na Prefeitura, Freguesia do Ó, Butantã, Sto. Amaro, Campo Limpo, HABI e RESOLO... lembrei também dos vizinhos, do Rio, e em Sampa na Tucumã, no Butantã e na Vila Sonia.  E tem um capítulo especial para as filhas: eu me lembrei de cada uma delas, desde que nasceu, quando eram bebês, quando começaram a ir para a escola, me lembrei de suas gracinhas, de suas travessuras, de  seus amiguinhos de seus acidentes, dos sustos, das brigas, das alegrias, dos abraços e beijos. Muito boas lembranças!
     Vou andando e me lembrando... às vezes dou risada, as lembranças são engraçadas, às vezes sinto um peso no coração. Maus momentos, pessoas que me fizeram sofrer e pessoas que já morreram. Tentei ser democrática nas orações. Desejei Verdade, Justiça, Paz e Amor a todos, sem exceção.
     Credo! Acho que estou ficando carola, rezando tanto! Minha finada tia freira, Madre São Luiz, teria achado lindo!

     Hoje a caminhada é mais suave, as subidas e descidas não são tão íngremes, por isso deu pra ligar o "piloto automático", ou seja, as pernas andam, enquanto a cabeça voa. Enfrentamos novamente a prazerosa rotina do deserto: admiramos as montanhas, passamos pelo pastores, pelos burricos, almoçamos no campo e tomamos chá de ervas, fazemos pipi nas moitas olhamos as nuvens, ouvimos os cânticos muçulmanos... e voamos...
     "O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar..."

    Avistamos ao longe, uma grande construção no alto de uma das montanhas, que Nidal nos informou ser a Universidade da Palestina. Seu filho mais velho estuda lá.

   Chegamos a Duma que é um vilarejo, um pouco diferente. As ruas são mais largas e menos tortuosas. Paramos em um local, na entrada da cidade onde  vários carros nos esperam. Novamente fomos divididos em pequenos grupos. Eu fiquei num grupo com duas italianas Katia e Francesca além da Andrea. Subimos mais uma ladeira e chegamos numa casa grande casa térrea.  O dono da casa nos recebe e nos leva até uma sala bem grande, dividida ao meio. Na metade perto da porta, ficam dois grandes sofás, com uma mesa no centro. Na outra metade, ficam quatro camas e as tradicionais pilhas de cobertores. É onde vamos dormir. A sala é cheia de cortinas em todas as paredes. A um canto, uma mesinha, com várias fotos emolduradas. A maior é de um irmão do dono da casa, que foi morto num combate com os "israelis". Aliás, nas outras casas em que ficamos, também havia fotos de parentes mortos pelos "israelis".

     Como sempre, chegamos e nos sentamos no sofá, com o pai, que chama os outros filhos. São quatro.
E ficamos todos conversando. Essa família foi mais light, não contou tantas histórias tristes. A filha mais velha, tem por volta de 18 anos, veio de véu e estuda jornalismo na universidade que vimos no caminho. Um menino aparentando uns 14 anos ficou falando de futebol comigo. Ele disse que gostava de jogar e era fã de Cacá, Romario, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, que ele custou muito a pronunciar e eu custei a entender. Os  filhos mais novos eram mais tímidos, quase não falaram. A menina mais nova trouxe o chá e ficamos todos na sala, menos a mãe.

     Depois do papo, o banho. O chuveiro, no meio do  banheiro, era suficientemente quente, mas a água espirrava  na horizontal, em todos os sentidos, menos em cima da cabeça. Andrea tomou o banho circulando em volta do chuveiro. Eu resolvi o assunto. Desatarraxei o chuveiro e a água passou a sair direto do cano. Avisei a Katia, que tomou banho por último e ela atarraxou o chuveiro novamente.

     Depois do banho, o jantar. Sempre farto e desta vez, servido só para nós na mesa da nossa sala/quarto, encortinada. Os filhos se revezavam para trazer as comidas, mas não se sentaram conosco. Depois que jantamos fomos até a grande e escura cozinha, onde conhecemos a mãe. Atarefada no fogão e na pia. Ela não fala inglês. A filha mais velha serve de intérprete. Sem muita serventia, porque ela nada falou além de seu nome e dos agradecimentos aos nossos elogios à sua comida. A filha maior, tirou o véu. Tem longos, lisos, lindos e negros cabelos.

     Quando o pai chega, a mãe lhe serve um prato. Serve outro a um tio que chegou também. Parece que o restante da família já jantou.  Faz frio. A um canto da cozinha, há um braseiro, rodeado de almofadas, na frente de uma TV, que apresenta o noticiário local. Al Jazeera. Não dá pra entender nada. Eu tento conversar com as crianças, mas não tenho assunto. Andrea consegue. Conversa com o menino e depois com a futura jornalista. Ela diz que pretende fazer pós graduação nos Estados Unidos, que já tem um primo que estuda lá. Observo a mãe, ela olha para a filha, com olhos bem tristes. Vai perder a companhia. Fico pensando em quantas dificuldades essa menina vai encontrar para realizar esse sonho. Rezo pra ela também.

     Dei para a mãe um brochinho com a bandeira do Brasil, foi a única vez que a vi sorrir. No dia seguinte, na hora das despedidas, o menino que gosta de futebol, me deu um brochinho com a bandeira da Palestina. Deu e saiu correndo envergonhado, nem viu o meu sorriso e nem ouviu o meu agradecimento.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                                            Eulina

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Fara'a - Nablus

                                                                                

 


                                                          FARA'A - NABLUS


                                                                                                                                   26/12/2012

     Acordamos cedo, arrumamos nossas coisas e fomos para a cozinha dispostos a ajudar a mãe a preparar o café. Em vão. Já está tudo pronto. Não há nada que podemos fazer. Ficamos observando a família pela manhã.

     As crianças devem ter dormido na casa dos avós, tios, tias, que ficam  nos andares de baixo, pois vão entrando pela porta da frente. A menina mais velha chegou sem véu. Entrou no quarto, pegou um véu e ficou um tempão em frente a um espelho no corredor, colocando o véu, ajeitando de várias maneiras...  Não gostou do resultado e foi pegar outro, experimentou vários arranjos, e assim foi, até se decidir por um terceiro véu. Como não havia porta, ficamos observando sua faceirice. Meninas adolescentes são igualmente vaidosas em todo o mundo... Um barato! 

 Os outros tinham mochilas. Eu os vi abrindo as mochilas e guardando o material escolar. Todos apressados, prontos para ir para a escola. Só o menor, de dois anos é que não vai. Fica em casa brincando. Quando se foram, a mãe trouxe, de um canto, uma mesa redonda e de pernas bem baixinhas. Colocou no meio da sala dos tapetes, com uma toalha por cima e começou a trazer as comidas para o café. Nós nos sentamos no chão em volta da mesa e o pai com o filho menor  também. A mãe ficou servindo. Nós a chamamos para sentar conosco, mas ela disse que já tinha comido, que estava sem fome, que ia fazer alguma coisa... tudo desculpa. Ela fica em pé do lado, participa da conversa, mas não se senta conosco.

     Despedimo-nos, fomos ao encontro dos companheiros e recomeçamos a caminhar. Durante o tempo em que caminhamos na cidade, vou observando as ruas e, quando paramos para Nidal comprar o lanche do caminho, observo a mesquita que fica em frente, sob os olhares apreensivos de todos os homens que passavam por ali, no momento. Chego perto, mas não entro. Mulheres não podem entrar.
     Onde será que as mulheres rezam?

     Logo chegamos na estrada e nas montanhas. Eu sinto novamente aquela alegria, aquela leveza, aquela sensação de poder voar! Dia lindo, sol esplendoroso, vou olhando as montanhas. Neste trecho, temos algumas plantações de laranjas. Depois do lanche, temos laranjas bem doces de sobremesa.
     E assim se foram os 16 quilômetros de hoje. Subindo montanhas, atravessando  vales, cruzando com os pastores e suas ovelhas, alguns burricos, ouvindo os cânticos dos muçulmanos ecoarem nas montanhas, olhando os povoados ao longe... eu vou pensando em Maria, com seu barrigão. O que será que eles comiam? Nós comemos pão com humus todos os dias. Será que Maria e José comiam isso também? Só que o nosso humus vem em latas. Como será que eles acondicionavam a comida?

     Chegamos a Nablus. A capital e maior cidade do West Bank. E também a mais antiga. Deixamos as bagagens no hotel e nos encontramos com um novo guia. Ele nos leva à cidade velha, dentro das muralhas. E é aquela confusão. Ruas estreitíssimas, que foram cobertas por toldos e viraram um grande mercado, onde se vende de tudo. Gente, mercadorias, cores, cheiros, sons tudo misturado, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Eu ficaria ali o dia inteiro, boquiaberta olhando, só olhando.

     Muitas ruínas, resultado das bombas dos "israelis". O nosso guia local, um rapaz novo, estudante de sociologia nos mostrou várias cicatrizes de ferimentos em atentados e tem uma bala na coxa. Ele conta histórias muito tristes sobre a ocupação das terras e destruição da cultura palestina. Realmente, é uma overdose de histórias tristes. Fico pensando que deve ser muito pior enfrentar essa overdose, porém de atos de guerra. Observo o guia. Ele é magrinho jovem e sorridente, mas parece revoltado. Pergunto a ele o que espera do futuro. Ele não responde, mas seus olhos se enchem de lágrimas. Eu  imediatamente me arrependo de ter perguntado. Que pergunta mais imprópria!

     Esta cidade tem um shopping center!  Igual a todos os outros no mundo. A diferença são as letras, nas fachadas das lojas.

     Depois, saímos do perímetro das muralhas e o guia nos levou a uma doceria, que tem doces típicos da Palestina.  Balcões de vidro, com muitos, muitos doces.  Todos se deliciaram. Desta vez, eu senti pena de ser diabética. Só comi um docinho. Ainda bem que não gosto mesmo muito de doces. Aproveitei para observar os palestinos que não são muito pobres. São, na maioria bonitos. As mulheres sempre de roupa comprida e o véu. Os homens, vestem roupas ocidentais escuras e cobrem a cabeça. Falam muito, riem, são bem humorados. Eu gostaria de entender o que dizem. É um povo bonito. Olhos escuros, em tons variados de verde e azul. Sempre nos olham com muita curiosidade.

     Aliás, devemos parecer ETs mesmo. Com roupas de trilha, calças e casacos cheias de bolsos, botas, mochilas, câmeras fotográficas, tudo tão diferente das roupas deles... Mas somos tão curiosos quanto eles.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                                          Eulina
   

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Zababdeh - Fara'a

                                             


                                                              ZABABDEH - FARA'A


                                                                                                                  25/12/2012

     Depois de um lauto café da manhã, e de nos despedirmos da nossa família hospedeira, nós nos dirigimos ao ponto de encontro do grupo e reiniciamos a caminhada. Andamos por algumas ruas de Zababdeh e logo chegamos às páginas da Bíblia. Passamos por plantações de vegetais, com aquele sistema de irrigação vigiada pelos "israelis" e as sempre presentes oliveiras. Esta zona é a mais fértil e mais verde do deserto. O celeiro da Palestina.

     Logo ao deixarmos a cidade, no meio da estrada, passamos por um grupo de homens, ao lado de um caminhão, carregando cartazes, falando palavras de ordem, com expressões sérias, porém rodeados por muitas crianças (meninos) sorridentes. Chegamos perto. Nidal foi falar com eles. Os homens muçulmanos se vestem como ocidentais, com a diferença de que sempre estão de cabeça coberta por um gorro, ou pelo turbante do Arafat. Suas roupas são sempre sérias e escuras. Ficamos todos curiosos, à espera das informações de Nidal, enquanto conversamos com os meninos que nos cercam, perguntando coisas e ouvindo as respostas num inglês estropiado. Eles riem de tudo o que dizemos, perguntam nosso nome, falam, falam, pena que não conseguimos entender quase nada...

     Nidal volta com as informações: estamos perto de um grande poste, onde ficam todas as ligações dos fios palestinos, por onde corre a energia que abastece a cidade. Hoje à tarde, vão cortar esses fios e ligá-los à  energia que vem de Israel. Para que seja usada a sua energia, Israel nomeou representantes, responsáveis pela questão, em cada cidade, pois não aceita os representantes já eleitos pelos palestinos. Essa exigência é considerada mais uma demonstração de dominação. Por isso, fazem a manifestação. Nós deixamos claro o nosso apoio, desejamos a todos boa sorte e continuamos a caminhar. Os meninos nos seguem durante um tempão, gritando nossos nomes.

     Ao passarmos por um outro vilarejo, Andrea vê um muro coberto de flores. Não resiste, colhe uma, pendura em sua mochila, depois me dá outra. Uma senhora muçulmana, toda de preto está parada no portão, perto das flores. Ela vai até lá - eu acho que vai dar bronca -  ao invés, colhe várias flores e me dá, sorrindo. Eu sorrio de volta, agradeço e distribuo as flores entre os italianos. Então a mulher chamou outra mais jovem, veio também um senhor e logo apareceu um grande bule com café fumegando e copinhos de papel. Nós todos nos reunimos, ali mesmo na rua, tomamos o café e ficamos falando, cada um a sua língua, mas todos nos entendemos e confraternizamos. Foi um belo momento.

     Pé na estrada novamente. Hoje não há camelos, mas nos deparamos com vários burricos, sendo que dois deles fazem um dueto de "hiii hooommm", em nossa homenagem. E também vemos vários pastores com suas ovelhas, enfeitando a paisagem.

     Vou conversando com Nidal. Ele me conta sobre uma estrada que foi planejada para ligar todos os povos árabes. Essa estrada foi iniciada, (acho que no Egito) mas atualmente está paralisada, em virtude das exigências dos "israelis", no sentido de que seja uma rodovia larga, de várias pistas, cruzando o deserto. Acontece que a rodovia está projetada para passar no meio das plantações que ficam próximas às cidades palestinas. As plantações seriam destruídas deixando os povoados sem meios de abastecimento. Os palestinos desejam várias pequenas estradas, interligadas, passando pelas cidades e povoados, de maneira que não afetem as plantações e não causem problemas ecológicos. Após muita polêmica, a construção foi suspensa. Os palestinos dizem que essa estrada é uma das muitas maneiras de extermínio de um povo, já que sem ter onde plantar, eles não teriam o que comer.

     Converso com os italianos. Eu entendo um pouco de italiano e eles entendem  um pouco de português, quando falamos devagar. Dá trabalho, mas a comunicação é  possível. E sempre há alguém para traduzir tudo para o inglês. Eles são muito engraçados, tudo é motivo para piadas e risadas.  Andrea e eu rimos também. Formamos um grupo de alto astral. Caminhamos felizes.

     Muitas subidas e descidas pelas dunas do deserto, e lá se foram nossos quinze quilômetros bíblicos, de hoje. Chegamos à cidade de Fara'a. Ruas muito estreitas, ladeiras, muita gente nas ruas, o mesmo modelito de cidade já descrito. Novamente fomos divididos em pequenos grupos. Andrea, Giacomo e eu vamos para a casa de uma família muçulmana. É a minha primeira família muçulmana. Estou ansiosa para ver como é.

     Vamos de carro. Subimos muitas ladeiras assustadoras e becos idem. Quando vem um carro na outra direção, temos que dar marcha a ré, ou parar em algum canto apertado, para que o outro carro passe. Enfim, chegamos. Uma porta estreita e uma longa escada. Nos patamares da escada, há sempre alguma criança nos olhando com olhos curiosos e sorridentes. Vou sorrindo para elas também. No terceiro andar, está a mãe. Vestida com uma saia longa, uma bata do mesmo tecido cinza com estampa de florzinhas miúdas e um véu na cabeça. Jovem, bonita, aparenta ter pouco mais de vinte anos. Eu achava que ela era filha, mas nos foi apresentada como a esposa. Entramos e nos sentamos numa sala pequena cheia de sofás. Na parede, uma foto emoldurada do Arafat.

      O dono da casa leva nossa bagagem e nós ficamos nessa sala, onde a mulher traz o chá e café com tâmaras. O café é delicioso tem o pó depositado no fundo da xícara e não tem açúcar. Pra adoçar, cada gole deve ser tomado com uma pequena mordida na tâmara. Então, ficamos à espera do marido, de um irmão do marido e dos cinco filhos. A filha mais velha tem quinze anos, já usa véu. A mãe tem só trinta e dois anos. Aparenta bem menos. São todos muito bonitos. Têm olhos azuis escuros, cheios de cílios bem negros. Um menina de dez anos é a mais comunicativa. Consegue falar um pouco de inglês. Eu ainda tenho uma flor das que ganhei na estrada. Dei a flor pra menina. Foi lindo ver o seu sorriso!

     Ficamos todos na sala, conversando. Eles contam histórias sobre a vida deles e sobre os "israelis". Servem mais uma rodada de chá e café com tâmaras. Eu como muitas tâmaras. Adoro. Depois nos levam até a laje, para ver o por do sol. Da laje, além do varal com as roupas compridas e os véus,  dá pra ver o sol se escondendo atrás das montanhas. Muito lindo.

      Até que atendendo aos nossos pedidos, nos mostram os quartos onde vamos ficar. A casa parece pequena por fora, mas é grande e espaçosa. Há uma sala grande, sem móveis, com o chão coberto de tapetes e almofadas. Ambiente das novelas da Gloria Peres, só que sem o luxo. Andrea e eu ficamos no quarto das meninas. Giacomo, no quarto dos meninos. Eu pensei por um momento que dormiríamos no chão, mas há camas, e pilhas de cobertores. Arrumamos nossas coisas e enfrentamos o banho. Mas este banho é bem mais tranquilo do que o último. Chuveiro na altura normal e em cima de uma banheira. Não fizemos molhadeira. Mas... nem tudo é perfeito. A água é quase fria.

     Jantamos só nós três, na cozinha. Não sei onde a família janta. Comida muito boa, feita na hora pela mãe. Enquanto ela prepara a comida, ficamos na sala dos tapetes, sentados nas almofadas, conversando com as crianças. Eles fazem as tarefas escolares. Olhamos os cadernos, todos "de trás pra diante", escritos com aquelas letras... aliás, a tela e o teclado do computador também tem aquelas letras. Não sei porque me espanto tanto, afinal é a língua deles... mas que é esquisito, é. O pai chega e liga a TV. Coloca um vídeo com música. As crianças dançam, nós entramos na dança também. Fazemos uma grande roda. Alegria geral, muito bom! Todos dançam, menos a mãe. Foi legal, mas, por que ela não dançou conosco?

     Depois da janta, fomos novamente para a sala dos sofás e começaram a chegar o avô, a avó, os tios, cunhados, primos, etc., todos querendo nos ver, perguntar coisas sobre nossos países e contar coisas sobre a Palestina. Um deles manifestou sua gratidão ao povo brasileiro porque elegeu uma mulher que defendeu a causa palestina na ONU. Que bom ser brasileira! Papo muito interessante, mas estávamos muito cansados.

     Enfim, Andrea e eu fomos dormir, soterradas pelos cobertores pesadíssimos, ficamos quentinhas. Dormimos bem, apesar de não conseguirmos nos mexer. Perguntei a Giacomo ele disse que também dormiu esmagado por uma pilha de cobertores. Não sei onde dormiram as crianças.

     Voce já pode dizer: Eu li na tela da
                                                            Eulina