quarta-feira, 6 de setembro de 2023

 


                                                                           O SABIÁ


                    Zezinho estava feliz. Havia chovido muito e o poço estava cheio até a borda. Agora que

ele sabia que havia um mundo sem água, gostava de ficar na beiradinha, observando. E estava 

um dia tão lindo! Zezinho chamou seus amigos. Brincaram de esconde-esconde, de pegador, caçaram

 bichinhos, divertiram-se a valer. Já estavam quase indo embora, quando a água estremeceu.

 Assustados, todos os peixinhos se encostaram na parede. Mas como eram curiosos, ficaram olhando.


                      Que criatura esquisita! - pensaram. Suas escamas eram esfiapadas! Embaixo dos olhos,

onde deveria estar a boca, estava uma ponta comprida e dura, que quando se abria emitia um som tão

 doce... tão gostoso de ouvir... que tipo de ser é esse?


                      Zezinho observava. Sabia que existiam seres não aquáticos. Mas, seriam amigos? Este,

pelo menos, era belo. Abria suas nadadeiras, nadava um pouco no ar, e depois mergulhava. Aí, saía da

 agua sacudindo-se todo, fazendo uma chuva de gotas. E então, abria aquela coisa pontuda e fazia um

 som maravilhoso!


                        Aos poucos, Zezinho foi perdendo o medo. Aproximou-se devagarzinho. Seus amigos,

 atrás. Ficaram ouvindo admirados. Até que| Zezinho disse:


- Com certeza ele é amigo, porque está cantando para nós. Vamos dançar para ele!


                        E os peixinhos formaram uma roda, colocaram as cabeças para dentro e os rabinhos em

 volta. Eles sabiam que eram bonitos e então, agitaram suas pequenas nadadeiras, para que raios de sol

batessem nelas e fizessem brilhar suas cores, pois assim ficavam ainda mais bonitos.

                        E ficaram nadando em volta, formando desenhos na água.

                        O sabiá, empolgado com tanta beleza, estufou o peitinho e cantou suas mais lindas

 melodias.

                         Nesse momento, uma brisa trouxe umas florzinhas, que caíram na agua...


                                                                            ***




                   



                                                                  PEDRINHO


           O chão tem folhas secas, as árvores tem flores, o mato é cheiroso. Chupo uma manga.

           Ouço o zumbido dos insetos. Borboletas voam. Raios de sol passam por entre as folhas e as poeirinhas brilham boiando nas tiras de luz.

           Tudo tão bonito! Vou ver Clarinha. Hoje é o seu aniversário. Passo perto do riacho.

           È ali. Uma pequena clareira. A terra fofa, recém revolvida. Examino bem. que alegria!

           Saio correndo, ventando, voando...

- Clarinha, Clarinha!

            Ela vem assustada, os olhos de jabuticaba, cheios de espanto.

- Seu presente de aniversário! Bem no dia, vem ver, corre!

            Saímos de mãos dadas. O vento na nossa cara, o sol na nossa cabeça... Chegamos. O riacho, a

clareira, a terra fofa. Paramos. Em silêncio, nos aproximamos. Até que ela vê.

- Pedrinho, que lindo! Tão pequeno, tão verdinho!

- É aquela rosa vermelha que você gosta. Plantei aqui pra você e brotou bem no dia do seu aniversário!

           Clarinha sorri. Não tem os dentes da frente. Logo ela se lembra e põe a mão na boca. Ela me dá um beijo! Eu fico todo vermelho, mas disfarço. Afinal, já tenho oito anos e meio, ela ainda é uma pirralha, está fazendo sete hoje!

- O último a chegar é um bobo!

           Voltamos pra casa correndo.

                                                                         ***


               





       

segunda-feira, 24 de julho de 2023

ESCRITORA Chovi muito, relâmpagos e trovoadas, hoje, vento, às vezes estou ensolarada, cavalo negro selvagem, galopando nos verdes campos crianças brincando, mães zelosas, pais contentes, tias sorrindo ondas verdes do mar, céu azul, doce de leite, pirulito vestido novo, Elvis na vitrola, primeiro namorado, quanta emoção, coração pulando, mãos tremendo, fala gaguejante, estrelas no céu, lua prateada, rua escura, banco do carro, beijos sussuros, virgindade protegida, verão inesquecível, amor eterno, aé que se acaba, rotina, tédio, vida que segue, a fila anda, sem direção, norte, sul, ladeira abaixo, ladeira acima, parabens, muitos anos de vida.. crianças crescem, crianças se afastam, joves criam asas, vão embora, solidão... nostalgia, saudade do não acontecido... gaiolas abertas, pássaro solto de asas paralíticas, infância longínqua, caminhos estreitos, largos, longos passos trôpegos, decididos, lépidos, lentos, caio, levanto, caminho novamente, vou... sem sem saber pra onde, sem saber porquê, sem saber como... Vou.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

RECOMEÇO Brancura. Hospitalar. Terapeutica. Química. Antiséptica. Anestésica. Dolorido. Sofrido. Lacrimoso. Deprimido. Choroso. Esquecido. Resignado. Obediente. Convalescente. Constante. Recuperado. Fraco. Saudável. Curado. Impaciente. Esperançoso. Curioso. Pesquisador. Caçador. Sensitivo. Intuitivo. Caminhante. Peregrino. Persistente. Vasculhador. Escondido. Descoberto. Pequeno. Indefeso. Sujo. Sarnento. Faminto. Anêmico. Enternecido. Comovido. Compadecido. Condoído. Acolhido. Acariciado. Afagado. Tratado. Restabelecido. Saudável. Amigável. Contente. Sorridente! Juntos. Amigos. Inseparáveis. Amorosos. Felizes. Aventurosos. Caçadores. Curiosos. Companheiros. Caminhantes...
ONTEM Despertador. Quarto. Banheiro. Espelho. Susto! Feiura. Tristeza. Ontem... Janela. Prédios. Ruas. Gente. Carros. Café. Leite. Pão. Manteiga. Remedinho. Solidão. Lembranças. Celular. Amor. Esperança... Desapontamento. Tristeza. Banho. Sabonete. Xampu. Chuveiro. Toalha. Desodorante. Camisa. Calça. Cinto. Gravata. Meias. Sapatos. Paletó. Espelho. Porta. Chaves. Corredor. Elevador. Vizinho. Sorriso. Garagem. Carro. Ontem... Solidão. Tristeza. Manobras. Porteiro. Sorriso. Rua. Trânsito. Engarrafamento. Raiva. Palavrão. Semáforo. Relógio. Ansiedade. Carros. Gente. Acidente. Vítimas. Polícia. Relógio. Ansiedade. Atraso... Enfim! Velocidade. Prédio. Identificação. Garagem. Crachá. Elevador. Ascensorista. Sorriso. Pessoas. Bom dia. Tristeza. Corredor. Firma. Colegas. Amigos? Cumprimentos. Sorrisos. Bom dia. Sala. Escrivaninha. Computador. Papéis. Relógio. Em tempo. Alívio! Trabalho. Celular. Ordens. Leitura. E-mails. Relatórios. Digitação. Tédio. Janela. Céu. Nuvens. Desamor... Tristeza. Pausa. Cafezinho. Fofocas. Risadas. Amigos? Falsidade. Tristeza. Almoço. Amigos? Prato do dia. Papos. Fofocas. Piadas. Gargalhadas. Tristeza. Chefe. Esperança! Promoção? Desilusão. Ordens. Trabalho. Tristeza. Reunião. Blablabla... Tédio. Sono. Chatice. Irritação. Raiva. Resignação. Tristeza. Pausa. Café. Amigo? Confidência! Espanto. Indignação! Dúvida. Opiniões. Discussão. Injustiça! Injustiça! Injustiça! Raiva. Fúria. Vingança! Deixa disso. Blablabla...Tamo junto. Traíra! Moleque! Irresponsável! Resignação. Sorriso. Falsidade. Merda. Tristeza. Relógio. Enfim! Chega! Alívio. Finalizar. Desligar. Paletó. Corredor. Elevador. Ascensorista. Sorriso. Tristeza. Garagem. Carro. Ontem... Rua. Carros. Trânsito. Tristeza. Solidão. Dor. Lágrimas. Desespero. Choro! Soluços! Gritos! Urros! Semáforo. Estrondo! *** -Seu guarda, eu juro que não tenho culpa! Eu nunca passo no vermelho! Ele entrou na minha frente feito um doido! O caminhão é pesado, não deu para frear! *** Maria Eulina

sexta-feira, 7 de julho de 2023

O VESTIDO VERMELHO Quieta em seu quarto, Ana pensa: “Não quero mais ter que cumprir ordens, fazer coisas que detesto, conviver com pessoas chatas... não quero!” Sentado em uma poltrona, o irmão de Ana, que veio do interior atendendo ao seu chamado, olha para ela deitada em sua cama imensa e a observa calado: “Ela parece tão frágil, tão desamparada... Ninguém seria capaz de perceber a força e a coragem de minha irmã. Sinto seu dilema. Pela expressão determinada de seu rosto, sei que chegou a uma conclusão. E sei também, que daqui por diante, nada irá detê-la. Vai agir sempre de acordo com sua decisão.” Assim, ambos permanecem calados. Ela com seus pensamentos e decisões. E ele na expectativa, admirando a aparente fragilidade de Ana. Então, o marido entra no quarto. - Chega de preguiça Ana Claudia! Temos que ir ao jantar da empresa. Sai dessa cama! Veste aquele vestido vermelho que comprei ontem. Você precisa estar bem bonita hoje. Quero que todos vejam que me casei com a garota mais linda da turma! Nesse momento, Ana se levanta. Seu corpo, antes com a aparência frágil, se ergue. Sua pele toda revigorada, parece iluminar-se. Com o queixo empinado e olhar faiscante, diz: - Não vou ao jantar. Vou ficar aqui, aproveitando a companhia do meu irmão. - Ora, não me venha com desculpas! Já combinamos tudo! Vai se arrumar, não se atrase... - a voz é autoritária, mas ela interrompe: - Eu não combinei nada! Não quero ir e pronto! - Mas você é minha mulher! Tem que comparecer ao jantar em minha homenagem! - Eu não quero! E não vou! “Enfim, minha irmã se revela! Deixa de se comportar como uma dondoca e volta a ser a menina linda e atrevida que sempre foi, até se casar.” O irmão fica feliz. Não veio de tão longe, em vão. Bate palmas em pensamento. Quase pula de alegria. Mas permanece calado. *** A festa foi boa, mas o homenageado não conseguiu aproveitar. E quando voltou para casa, não encontrou Ana nem seu irmão. No guarda-roupa, apenas o vestido vermelho. ***
Maria Eulina qui., 16 de jun. de 2022, 14:10 para susi O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA 10/05/19 Hoje é o dia mais feliz da minha vida! Estou maravilhado! Este lugar é tão lindo e eu sempre sonhei com esse tipo de trabalho! Só uma coisa me preocupa. As máquinas daqui são tão modernas, fazem tantas coisas... eu tenho medo de não aprender a usá-las... eu sempre costurei numa Singer de pedal... Ah... deixa pra lá! Pensamento positivo! Eu vou fazer o treinamento e vou aprender tudo! 15/05/19 O treinamento é joia! Estou aprendendo muito! Mas também, nem pisco durante a aula. E a aula prática, então! Maravilha! A agulha desliza no tecido... faz todo o tipo de ponto... tão fácil, tão certinho... dá gosto costurar com essa máquina... eu acho que vou aprender até a bordar... Meu chefe me elogiou, disse que vou indo muito bem e que logo vou treinar a modelagem e depois o corte! Imagina! Meus desenhos virando roupas! 21/05/19 Comecei a modelagem. É mais difícil do que eu pensava, mas estou ficando todos os dias uma hora a mais na oficina, para me exercitar. Essa uma hora a mais é complicada. Todo mundo vai embora e só o Serginho fica costurando. Costurando não. Fica mesmo é olhando pra mim, dando palpites... Aliás, desde o primeiro dia acontece isso. Ele me assedia. Ai, que garoto metido! Ele se acha. Só porque está aqui há mais tempo, acha que pode me tratar assim. Já disse que não quero saber de nada, que sou comprometido, mas ele não desiste! 02/06/19 Nem me aguento de tanta alegria! Meu primeiro vestido ficou pronto! Lindo! Fantástico! Maravilhoso! Tá certo que o detalhe da saia não ficou bem do jeito que eu queria... Mas coloquei um bolso e escondi a imperfeição. O chefe nem notou... eu desenhei o bolso nos croquis e ele achou que era assim desde o começo... hehehe... O Serginho está cada vez mais abusado! Acho que vou pedir pro meu bofe vir me buscar aqui todos os dias, só pro Serginho ver que eu sou comprometido mesmo. 03/06/19 Dei o vestido pra minha irmã. Ai como ela é chata! Em vez de me agradecer, perguntou o que é que eu tinha aprontado, pra querer disfarçar dando presentes... Maléfica! Ela não consegue perdoar o caso que eu tive com o Paulão. Ai que tesão de homem! Quem vê não imagina que ele é bi. A chata da Maisa não tinha percebido. Ela devia é me agradecer por eu ter aberto os olhos dela. Não queria ver minha única irmã casada com um cara assim. Mas que ele era gostoso, era... 10/06/15 Hoje, o Rodnei vem me buscar. Vou ficar de amasso com ele bem na frente do Serginho, só pra mostrar que já tenho um bofe só meu. E eu só dele. Semana que vem, eu passo pro atelier. Já acabou o treinamento e eu já sei fazer tudo. Não vejo a hora! Imagina, eu no meio de todas aquelas mulheres lindíssimas, costurando pra elas desfilarem nas passarelas... ficando nuas na minha frente pra experimentar as roupas... ai, sou capaz até de ter uma recaída hétero! Que será que o Serginho ia achar disso? Ah... deixa pra lá, vou amar muito o Rodnei hoje. 14/06/15 Poxa! Fiquei sem palavras! O Rô veio me buscar, Nós nos beijamos na frente do Serginho e eu vi a cara que ele fez! Ele me olhou de um jeito tão... tão... sei lá... me comoveu. Meu coração até falhou uma batida! Então ontem, depois daquele olhar... acabei dispensando o Rô. Descobri que me apaixonei pelo Serginho. Você acredita que ele me pediu em namoro? I-na-cre-di-tá-vel! Pois é, eu aceitei! E eu que achava que ia ter uma recaída hétero! Agora, o dia mais feliz de minha vida passou a ser ontem, 13/06, dia de Santo Antônio! *** Pseudônimo: Maria Martins